Nós não precisamos reinventar a roda para as crianças que não falam, como fizeram Lula com a educação e Dilma com a saúde. Da mesma forma, quando ouvi “Apraxia de fala”, tive uma dor na alma. Trata-se de um sacrilégio anatômico, fisiológico, clínico e humanitário. Pelo simples fato que as apraxias, que obviamente são uma entidade neurológica, cerebral, vem do lobo parietal direito, e a linguagem está no hemisfério cerebral esquerdo. Seria como dizer insuficiência dermatológica cardíaca. Ou insuficiência hepática do pé. Mas na mente todos dão palpite. Padres, juízes, médicos de tantas especialidades, fonoaudiólogas, pedagogas, avós e mães, que sempre dizem que conhecem as crianças como ninguém.
No Brasil esta história se cristalizou com o artigo Apraxia da fala na infância em foco: perspectivas teóricas e tendências atuais, publicado na revista Pró-Fono Revista de Atualização Científica em 2009, volume 21, páginas 75-80. As autoras são a fonoaudióloga da Faculdade de Odontologia da USP de Bauru, Thaís Nobre Uchôa Souza, e as mestrandas de Alagoas Luzia Miscow da Cruz Payão e Ranilde Cristiane Cavalcante Costa. Esta revista não é indexada no Pubmed e não aparece internacionalmente, mas é indexada no Scielo, um banco de dados brasileiro.
A Cochrane Review for Childhood Apraxia of Speech, de AT Morgan e AP Vogel, revisada em Eur J Phys Rehab Med 2009 45: 103: 110, deixa claro que não existe base nem para o diagnóstico nem para os tratamentos existentes desta entidade. Ou seja, as crianças que não falam bem estão sendo submetidas a procedimentos e tratamentos desnecessários, não comprovados, que com toda a certeza podem lhes fazer mal, já que bem não faz. Além disso, como neurologista de adultos e crianças praticante desde os anos 1970, frequentando congressos e recebendo newsletters das academias brasileira, americana e europeia de neurologia, assim como dos principais serviços de informação de neurologia e psiquiatria existentes, posso informar que este diagnóstico não frequenta nosso dia a dia nem nossa classificação de doenças. As crianças que não falam tem outro problema.
Exatamente qual problema as crianças que não falam tem é uma grande dificuldade a ser resolvida por um neurologista infantil, através de longas consultas que são, na prática, impossíveis no sistema público e no sistema de convênios do Brasil, razão pela qual ocorrem tantos conflitos e acaba aparecendo esta saída pouco honrosa para as famílias e as crianças.
Inventar um diagnóstico com certeza não vai ajudar ninguém, muito menos as crianças que não falam.
Dr Paulo Bittencourt
Figura: Greg Dunn at www.gregadunn.com