A história da febre amarela no Brasil

A febre amarela é originada da África central, onde o flavivirus infecta alguns primatas, mais especificamente macacos e o homem, e é transmitido por mosquitos, o Haemagogus e o Aedes. Já dizimou exércitos na América do Sul, como o francês enviado por Napoleão para a revolução dos escravos em Santo Domingo, no século XIX, que resultou na independência do Haiti. Depois de desistirem de suas colônias, os franceses também desistiram do Canal do Panamá, tudo devido à febre amarela. Os americanos tiveram sucesso usando as mesmas metodologias que usariam para erradicar a doença do México e do Brasil.

O primeiro surto documentado no Brasil foi em 1685, na Grande Recife e interior, seguida pela região de Salvador um ano depois. A primeira grande epidemia no Rio de Janeiro foi em 1849, trazida por um navio vindo de New Orleans, que havia passado em Havana e Salvador e infectou todo o litoral brasileiro ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Febre_amarela ). Mais de 3% da população de Campinas morreu no verão de 1889, quando 75% da população abandonou a cidade.

Nesta época o Rio de Janeiro não tinha esgotos, lixo não era recolhido, e hábitos como manter uma cabeça de porco na porta do cortiço onde morava a maioria da população era normal. Em 1895, o navio italiano Lombardia sofreu um surto de febre amarela, e o turismo no Brasil era complicado pelas enfermidades infecciosas, em grande parte desconhecidas. O turismo ia direto para Buenos Aires, e o comércio também.

Com a república e os progressos da Medicina vieram uma sucessão de datas importantes. Em 1902 em Sorocaba foi realizado o 1.º combate ao vetor da doença, sob a orientação de Emílio Ribas. Em 1903 Oswaldo Cruz iniciou a campanha contra a febre amarela no Rio. Em 1928 a doença reapareceu no Rio, causando 436 mortes. Foi então iniciada uma campanha nacional em associação com a Fundação Rockfeller. Em 1940 foi criado no Brasil o “Serviço Nacional de Febre Amarela”. Em 1957, após ampla campanha de combate ao Aedes aegypti, essa espécie foi finalmente declarada erradicada do Brasil, na XV Conferência Sanitária Pan-americana.

O Aedes voltou a ser detectado em Belém do Pará em 1960, e desceu a costa lentamente. A dengue chegaria no fim da década de 1980, vindo da Ásia pela costa do Pacífico, entrando pela Amazônia, e descendo a costa brasileira no início dos anos 1990. No século XXI, apareceram as outras viroses com a Olimpíada, como a Zika, e finalmente ressurgiu a febre amarela. O conhecimento científico indica que o vírus atual veio de fora, e não seja nativo das florestas brasileiras.  Embora nenhum gráfico de incidência tenha sido desenhado e nenhuma testagem virológica tenha sido relatada, o padrão atual é diferente de qualquer outro dos tempos para os quais existem registros. O registro do Ministério da Saúde de febre amarela mostra entre 2 e 90 casos ao ano entre 1980 e 2016(http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/situacao-epidemiologica-dados-febre amarela).

O que foi dito na mídia, que a febre amarela é cíclica, etc, não é a realidade dos gráficos do Ministério da Saúde. Não aparecem na televisão médicos sanitaristas ou técnicos em saúde pública com conhecimento de epidemiologia, como eu coloco no outro artigo deste site sobre surto e epidemia. Então agora temos surtos em vários locais do país? É uma endemia hiper-aguda? É uma epidemia? Não existe o conceito de surto multifocal.

O número de casos suspeitos de febre amarela em Minas Gerais em 16 de janeiro de 2017 eram 152, com 47 mortes informadas. O governo de Minas declarou emergência em 152 cidades, 26 com pacientes infectados ou com mortes relacionadas à febre amarela, 16 cidades com morte de macacos sugestivas de febre amarela ( http://www.dgabc.com.br/Noticia/2502867/casos-suspeitos-de-febre-amarela-em-minas-gerais-sobem-para-152 ) Não existe dúvida que esta era a maior urgência epidemiológica no Brasil desde 1942.

No dia 23 de janeiro de 2017 eram mais de 450 casos notificados na Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, e as mortes estão chegando a 80. O número de 500 casos notificados e 100 mortes, nunca visto desde 1942, foi atingido em janeiro, com em torno de 6 semanas de evolução de uma epidemia que deveria ter sido reconhecida no início, antes do Natal de 2016. Em março de 2017 o número oficial de casos passava de 1500 (notificados), quando ocorreram os primeiros casos com mortes no litoral norte do Rio de Janeiro.

Então transpirou que macacos da floresta da Gávea e do Jardim Botânico tinham morrido em outubro de 2016 de febre amarela confirmada pelo Instituto Evando Chagas de Belém. Porém a Fio Cruz do Rio nunca quis confirmar estes resultados. Sem o alerta, a família de Casimiro de Abreu com várias pessoas doentes passou por um calvário antes de ser diagnosticada. O Rio de Janeiro foi a porta de entrada de tantas epidemias no passado, e ficou escondido até depois do carnaval. Estava muito estranho o mapa da febre amarela no Brasil sem nenhum caso naquele estado. Leia mais sobre em Epidemia de febre amarela neste mesmo site.

O que a mídia anunciou é que houveram macacos com o vírus da febre amarela identificado no Rio de Janeiro já em 2016. Por algum motivo a Fio Cruz do Rio de Janeiro não fez a análise destas amostras, ou relatou que elas foram negativas; as amostras foram novamente analisadas em Belém do Pará, e só tiveram sua positividade confirmada próximo ao carnaval de 2017. Porém aí já era tarde, o vírus já estava nas montanhas e parques de Minas Gerais. E agora, exatamente um ano depois, está em São Paulo, carregado através da morte de milhares de macacos através da Mata Atlântica. Não existe dúvida que esta é a maior catástrofe de saúde pública da história recente do mundo. É a maior ameaça a um dos maiores aglomerados humanos do planeta.

A consequência foi falta vacina, e o Brasil na mão de Ricardo Barros tornou-se cobaia do fracionamento de doses, que só havia sido utilizado no Congo e Angola em 2016. A situação era semelhante à nossa, porém mora muito menos gente na Angola e no Congo do que no Rio, São Paulo e sul de Minas Gerais. Contrário ao que diz o Ministério da Saúde, o fracionamento não foi submetido a nenhuma pesquisa, animal ou humana. Pelo contrário, mesmo com a dose completa da vacina, só 3/4 das pessoas tem imunidade garantida por mais que 5 anos. Só foi utilizado em uma das regiões mais pobres do mundo por absoluta falta de estoques. Em um paralelo com epilepsia, o uso de gardenal persiste uma normalidade no Brasil, enquanto no resto do mundo só é usado no meio da África, onde agentes de saúde o distribuem para epilépticos das regiões mais isoladas e pobres do planeta.

A ideia de fracionar vacina de febre amarela não é aceita pela Organização Mundial de Saúde nem pela OPAS, braço pan-americano da OMS. O Ministério da Saúde de Ricardo Barros tentou mas não obteve apoio para a utilização da dose fracionada. A OPAS disse em 2018 que talvez a dose fracionada possa dar cobertura por um ano. É uma ideia, jamais testada em campo. Foi utilizada na África por absoluta falta de estoque de vacina de febre amarela. Se utilizada no Brasil, utilizará a população brasileira como sujeitos de pesquisa, sem consentimento informado, sem um grupo controle.

Reportagem da Folha de São Paulo, Cotidiano, assinada por Angela Boldrin, 26.01.2017 indica que o Ministério da Saúde confirmou 88 casos de febre amarela  na quinta-feira dia 26 de janeiro, o maior número em um ano desde que o Ministério da Saúde faz estatísticas, em 1980, portanto a maior epidemia desde 1942.  Superam os 85 casos do ano 2000. O Ministério e a mídia ainda chamam de surto de febre amarela silvestre, porém este raciocínio é turvo, tendo em vista que os números de 2017 foram atingidos em poucas semanas, talvez um mês, e já envolvem centro-oeste e sudeste. Portanto não está clara a diferença entre surto e epidemia de febre amarela. É óbvio que em uma doença tão grave não podemos esperar pelos casos confirmados. Podemos, ou temos a obrigação de agir em cima de diagnóstico clínico. Desta forma já passam de 500 casos em 5 estados de 3 regiões geográficas do país. Logo nem será mais uma epidemia, e sim uma endemia. Como não há Olimpíada, nem Obama, ninguém mais presta atenção ao Brasil.

Na verdade parece que o Brasil não tem mais um epidemiologista ou um especialista em saúde pública, pois ninguém mostrou o gráfico de incidência, o histograma mencionado acima. A história do surto e epidemia de febre amarela que está sendo contada pelas autoridades só piora. Se for contabilizar que estes casos começaram no início de janeiro de 2017, como algumas autoridades estaduais de Minas Gerais alegam, a incidência é incrivelmente alta, estivemos em frente a um problema gravíssimo e muito agudo. 500 casos em 20 dias é uma barbaridade. Pior que o Ebola. Por outro lado, se na verdade estes casos iniciaram em fins de novembro, início de dezembro, houve um grande caso de omissão das autoridades, talvez justificada em parte pelo troca-troca administrativo.

Em 2019 a situação é de endemia. Ocorrem casos em todo o Brasil, em pequenos grupos que ameaçam cidades de pequeno, médio e grande porte. Os casos parecem ser silvestres, originados das florestas da Serra do Mar desde o início desta situação em 2016. O Ministério da Saúde confirmou 383 casos e uma morte entre julho de 2018 e o carnaval de 2019. Esta é uma grande diminuição de casos comparado com os últimos anos. Foram 1266 casos e 415 mortes entre julho de 2017 e julho de 2018; 1.127 casos e 328 óbitos no período de 1º julho de 2016 a 3 de abril de 2017. No mesmo período até 2016, foram confirmados 691 casos e 220 óbitos.

Dr Paulo Bittencourt

O Ministério da Saúde oferece muito mais informação de excelente qualidade sobre febre amarela no Brasil, na América Latina e na África, nos links acima e abaixo

gt-arbo@saude.gov.br ou notifica@saude.gov.br e/ou pelo telefone (61) 3213-8181.
 
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9612&Itemid=504

http://g1.globo.com/bahia/noticia/2017/01/bahia-tem-caso-confirmado-de-febre-amarela-diz-ministerio-da-saude.html

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2017/03/20/macacos-mortos-na-cidade-do-rio-nao-tinham-febre-amarela-mostram-exames.htm

Vaccine. 2017 Oct 20;35(44):5951-5955. doi: 10.1016/j.vaccine.2017.03.032. Epub 2017 Mar 30. Yellow fever live attenuated vaccine: A very successful live attenuated vaccine but still we have problems controlling the disease. Barrett ADT.

Expert Rev Vaccines. 2016 December ; 15(12): 1519–1533. doi:10.1080/14760584.2016.1198259. Questions regarding the safety and duration of immunity following live yellow fever vaccination Ian J. Amanna and Mark K. Slifka

 

https://wwwnc.cdc.gov/travel/notices/alert/yellow-fever-brazil

http://www.who.int/csr/don/27-january-2017-yellow-fever-risk-map-brazil.png?ua=1

http://www.who.int/csr/don/24-november-2017-yellow-fever-brazil/en/

http://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5575:brasil-anuncia-fracionamento-de-doses-de-vacina-contra-febre-amarela-em-tres-estados&Itemid=820