Tontura, vertigem e labirintite

tontura

O paradigma da tontura, vertigem e labirintite é por demais estabelecido. “Tontura” é uma queixa muito mais inespecífica do que dor no peito, por exemplo. Os médicos tentam, mas as pacientes tem dificuldade de expressar de outra maneira seu problema. Quando é uma sensação rotatória, pode ser causada por doença em praticamente todos os níveis do sistema nervoso: no cérebro, pode ser cortical, subcortical, tronco cerebral, cerebelo; pode ser no sistema nervoso periférico. Entre as etiologias orgânicas que devem ser afastadas estão muitas doenças neurológicas e poucas doenças do ouvido. Os otorrinos passam noites e fins de semana com pessoas que deveriam estar procurando neurologistas, porque neurologistas clínicos não fazem plantões! Um fenômeno da medicina brasileira.

Um caso especial entre as causas de tontura, vertigem e labirintite talvez seja o da neurite vestibular aguda, ou neuronite vestibular aguda, uma vertigem de início agudo, que era considerada viral no meio do século passado, e quase não existe mais. A vertigem paroxística benigna de posicionamento se apresenta com crises severas de vertigem, rápidas, em jovens.

Outras causas de tontura, vertigem e labirintite são de diagnóstico mais simples, por vezes incluído em “tontura psiquiátrica”, englobando os termos tontura psicológica, psíquica, funcional, psicofisiológica, síndrome da hiperventilação, vertigem postural fóbica, e tontura ou vertigem de somatização. Com qualquer destas denominações, a freqüência destes casos em clínicas de tonturas varia chega a 50%, ou seja, até 5 de cada 10 pacientes que se apresentam em clínicas especializadas de tontura ou vertigem tem uma origem psiquiátrica. Uma parte dos pacientes tem a síndrome do “desconforto de movimento e espaço”, medos associados agorafobia, incluindo neurose de rua, síndrome do supermercado, síndrome da desorientação vestibular do motorista, fobia de espaço, de lugares fechados, e vertigem visual.

http://www.dimpna.com/2018/05/19/aleitamento-e-inteligencia/

Tontura faz parte dos critérios diagnósticos primários de doença do pânico, e do grupo de sintomas das ansiedades, das depressões, e se confunde com sintomas cognitivos, de concentração, atenção, humor, ânimo, disposição,muitas vezes descritas como sensações de tontura, ou de mareio.

Pacientes com distúrbio conversivo, antigamente chamada de histeria, frequentemente se apresentam com sintomas neurológicos, incluindo uma infinidade de sintomas relacionados com equilíbrio que podem ser interpretados como tontura, vertigem e labirintite. É muito fácil que a palavra “tontura” ou equivalentes como “labirintite” passem a fazer parte da sintomatologia. A possibilidade de que mecanismos psicossomáticos estejam relacionados com grande parte dos sintomas de tontura é real. Respostas vestibulares exageradas e excesso de estado de alerta ocorrem em associação em primatas e humanos, e hiperventilação causa respostas anormais, ou pelo menos alteradas, em testes rotacionais e posicionais. Tanto excesso de alerta como hiperventilação são comuns em doença do pânico com agorafobia. Pode ser então que muitas destas anormalidades de estudos vestibulares descritas por laboratórios de otoneurologia ou neurootologia representem disfunção vestibular funcional e reversível, observada durante períodos de hiperventilação e/ou excesso de alerta.

As causas de vertigem são em sua grande maioria afastáveis durante uma primeira consulta, pois envolvem a presença de muitos e graves sintomas e sinais concomitantes. Caso reste alguma dúvida clínica o médico pode investigar, para afastar de vez as causas orgânicas de doença. Além do exame de imagem, estes pacientes devem ter uma investigação de doenças cardiovasculares e sistêmicas. A maior chance é que não se ache nada de relevante. Mas é essencial correlacionar a natureza destes achados com a queixa do paciente.

Grande parte dos pacientes com tontura, vertigem e labirintite são atendidos  em plantões de emergência. Passada a era dos compostos de flunarizina ou cinarizina, e além do uso por automedicação de Dramin e similares na fase aguda, o uso de clonazepam (Rivotril), introduzido por especialistas paulistas na década de 80, já é clássico em nosso meio, tanto na fase aguda como em casos mais crônicos. O uso de benzodiazepínicos não se justifica mais, nem por um curto período de tempo, pois estas drogas uniformemente induzem o desenvolvimento de dependência química. Quando o paciente já se apresenta com um problema crônico como tontura, vertigem e labirintite, o médico deverá utilizar medicamentos de sua prática e confiança, e fazer aquilo que julgar melhor pelo paciente.

O que foi ficando claro através dos anos é que existe um final common pathway, uma rota final comum, através da qual é produzida a tontura, vertigem e labirintite, na qual o tratamento pode agir com pouco malefício para o paciente. É a musculatura onde se faz a reabilitação vestibular e fisioterapia neurológica especializada. Infelizmente, não é simples, pois muitos destes pacientes chegam aos nossos cuidados em estado crônico, e com várias co-morbidades, com problemas mentais de longa data não diagnosticados, e sua adesão é difícil. Por outro lado também não são problemas de extrema gravidade, pois todos continuam vivos após tanto tempo. Fosse simples já teriam resolvido antes o problema. O tratamento composto de mudança de hábitos de vida, exercícios especializados e medicação costuma ter sucesso em alguns meses.

Dr Paulo R M de Bittencourt

www.dimpna.com

Texto adaptado de meus capítulos 39 e 40, com o título Tonturas, no livro editado por Sebastião Eurico de Melo Souza, chamado Tratamento das Doenças Neurológicas, da Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1ª edição (2000),  e 2ª edição (2008)