Teoria da mente nos séculos 20 e 21 e onde fica a alma

A visão humanista da Teoria de Mente pode ser exemplificada pela surpresa aparente de Obiols e Berrios, do Departamento de Psicologia Clínica i de la Salut da Universitat Autònoma de Barcelona. Eles relacionaram em 2009 as raízes históricas da “Teoria da Mente” com o trabalho de James Mark Baldwin (1861-1934), e seguem o raciocínio conceitual sequencial comum às escolas latinas de psicologia, derivadas da tradição humanista francesa e da filosofia centro-europeia. Obiols e Berrios implantam a versão de Baldwin de Teoria da Mente em uma teoria coerente do desenvolvimento da cognição humana. Em seguida acreditam que Baldwin influenciou Jean Piaget. Então mudam de um paradigma teórico e filosófico para outro experimental e científico: declaram que Piaget é um contribuinte maior para o desenvolvimento da Teoria de Mente; e se apropriam do uso contemporêno de Theory of Mind, frequentemente abreviada como ToM; e estranham a ausência de Baldwin da literatura de Teoria da Mente do final do século XX.

A base da teoria de Piaget sobre o desenvolvimento da mente e comportamento nas crianças foi revisada por H Beilin e G Fireman, da City University of New York. Na teoria final de Piaget a ação é a origem do conhecimento; a percepção e linguagem estão em papéis secundários. Outras teorias de desenvolvimento cognitivo colocaram a ênfase na representação mental, enquanto Piaget a subordinou  à ação e operação mental. Bertrand Russell diz que ele acompanha a distinção que Schopenhauer fez sobre representação e desejo.

A visão do biólogo Piaget dependia de raciocínio lógico, pouquíssimas observações da realidade, e conversas com médicos. Na última teoria Piaget criou uma lógica de significados para o desenvolvimento do pensamento e a solução de problemas, que vinha da lógica inferencial de Anderson and Belnap (1975). A questão é se as teorias de Piaget são metafóricas ou baseadas em psicologia real, pois uma revisão histórica indica correlação entre as mudanças fundamentais das teorias de Piaget e as correntes lógicas da época.

A evolução da teoria da mente baseadas em evidência experimental científica aparece no século 18. A Origem das Espécies, publicado por Charles Darwin em 1859, levou a debates sobre a razão humana e o senso moral. Em The Descent of Man and Selection in Relation to Sex (A descendência do homem e a seleção relacionada com sexo), de 1871, Darwin inclui psicologia e ética, e a importância das mulheres na seleção sexual. Darwin conclui que a mudança das espécies é relacionada com instinto. Após o paralelo entre as teorias morais darwiniana e utilitária, o conceito de Spencer da evolução ser uma força moral, Kant explica a evolução mental. A demanda religiosa e espiritualista envolve evolução e metafísica, e desemboca na equação pessoal da ciência com William James – Psychological and Moral Uses of Darwinian Theory.

A transformação e o declínio da imagem darwiniana no século XX nas ciências sociais foi em parte devida à dificuldade mesmo de biólogos da mente e comportamento em entendê-la e aceitá-la. Na Alemanha surgiu um cisma na teoria evolucionária. Opositores argumentam que a psicologia evolucionária pode ser utilizada para justificar hierarquias sociais e políticas baseadas em teorias e dados empíricos e ideologias de raça e gênero. A resposta dos simpáticos à evolução é evitar a “falácia naturalista” que acredita que tudo que é natural é bom.

O uso atual da expressão científica Theory of Mind, frequentemente abreviada como ToM, Teoria de Mente, tem outro significado, em uma dimensão muito mais restrita. ToM, um termo coloquial em neurociência laboratorial, foi introduzido em 1978 por Premack e Woodruff, psicólogos experimentais trabalhando com chimpanzés em Philadelphia. Eles replicaram um experimento feito em Tenerife, nas Ilhas Canárias, durante a Primeira Guerra Mundial, no laboratório antropoide de Academia Prussiana de Ciências. O psicólogo experimental alemão  Wolfgang Köhler publicou seus achados logo após a guerra, e foi ignorado por 50 anos, durante o domínio de ideias humanistas, essencialmente psicanalíticas, nos anos negros do fascismo, nazismo e da Guerra Fria. Köhler ficou mais conhecido como um dos inventores da Psicologia Gestalt.

Até hoje permanece uma enorme resistência em reconhecer que Premack e Woodruff concluem que sua chimpanzé tem abilidades de física e psicóloga amadora: ela pode prever a posição futura de objetos em movimento, e atribuir estados mentais para si mesma e para outros. Os estados mentais da Teoria de Mente de Köhler, Premack e Woodruff incluem intenções, desejos, credos, conhecimento, fingimento. Os outros são seus interlocutores, investigadores ou animais. O objeto em movimento podia ser uma laranja em cima de um tapete. Trazida para o alcance da mão puxando o tapete ao invés de ser buscada com movimentos do corpo e membros, o comportamento da laranja é diferente de uma banana.

Ao nominar a Teoria da Mente, os autores usaram a palavra “Teoria” porque a macaca só podia imaginar, sem comprovar, o que está na mente dela mesma e dos seus interlocutores. Este aspecto radical dos experimentos de Köhler, Premack e Woodruff cria dificuldades de comunicação entre o campo humanista e o científico. São paradigmas e preconceitos muito diferentes. É colocar Obama e Merkel para conversar com Putin, que se entende muito melhor com Trump. Desde a publicação de Premack e Woodruff em 1978, a neurociência já estabeleceu com ressonâncias e PET scans em humanos, e com eletrodos colocados em neurônios no córtex de animais, quais regiões cerebrais cuidam do mecanismo que nos permite utilizar a Teoria da Mente como um radar multimodal.

O circuito da Teoria da Mente envolve 6 áreas cerebrais; 3 de cada lado: frontal, central e parietal posterior. Cada par fica ao lado da linha média, próximas do corpo caloso, que conecta os dois hemisférios. A mais posterior é a atual candidata à localização cerebral da alma, que até 10 anos atrás ficava no lobo frontal direito. É devido aos neurocientistas terem captado esta noção que descobriram alguns outros circuitos cerebrais que nós, animais e humanos, utilizamos para trafegar por aí. E por estas descobertas todos os grupos de pesquisa de ponta no mundo estão estudando circuitos, avenidas e ruas de comunição entre neurônios e grupos de neurônios. Até o velho eletroencefalograma ganhou nova importância.

Este artigo funciona em conjunto com 2 vizinhos, sobre as teorias evolucionárias e humanistas da mente e comportamento.

Dr Paulo Bittencourt