Prevenção de Alzheimer e a arte de pilotar motocicletas

Prevenção de Alzheimer

Prevenção de Alzheimer e outras demências é assunto conhecido da Neurologia desde os anos 1990. Inclui hábitos de dieta, atividade física, consumo de substâncias como cigarros e álcool, e o conceito da reserva cognitiva. Esta é como uma reserva em barras de ouro que atrasa a instalação da demência em até muitos anos. É a razão pela qual mulheres que permanecem em casa, sem formação ou atuação profissional, muitas vezes com pouca escolaridade, tendem a entrar na fase progressiva de doença de Alzheimer muitos anos antes que os homens de seu mesmo ambiente social e geográfico.

A reserva cognitiva é relacionada com o estabelecimento de conexões entre os neurônios, as sinapses. Até porque não se criam novos neurônios; portanto qualquer melhora cognitiva só pode ser relacionada com o estabelecimento de mais sinapses entre os neurônios já existentes. Então, já há muitos anos eu recomendo às pessoas que tentem adquirir novos hábitos. Que passem a usar a outra mão para jogar ping-pong e snooker, e para o mouse. Que não se aposentem, ou que pelo menos continuem em franca atividade física e mental. Porém, existem manobras mais radicais, que podem estimular os neurônios a se comunicarem e estimular o funcionamento de novas sinapses. São atividades que levam a pessoa a resolver problemas, especialmente problemas inesperados e graves, que produzem ansiedade, exatamente como no trabalho. Continuar trabalhando é uma das recomendações mais claras para manter a reserva cognitiva cheia e investir na prevenção de Alzheimer.

No meu caso, chegou a hora de cumprir mais uma etapa: voltar a pilotar motocicletas depois de 25 anos. Vendi minha Honda CBX 750 F em 1994, virou materiais para terminar uma casa onde minha família viveria 25 anos. Minha esposa na época, Maristela, ficava apavorada que eu não voltasse vivo de uma das voltas de moto. Era um medo real, pois minha atração era a alta velocidade mesmo. Eu não fazia questão de trilhas, longas viagens ou de cruzar nas Harleys. Meu negócio era andar a 200km/h, ou passear com moças na garupa. Casado com uma medrosa, não tinha como. Em 1996 ainda aluguei uma Harley para um passeio maravilhoso, de Fort Lauderdale a Key West, na Florida. E nunca mais subi numa moto.

Em 2022, meu último filho completa 21 anos, está encaminhado, e ninguém mais depende de mim. Talvez devido a ter cuidado muito de filhos, o fato é que estou fisicamente bem, saudável em quase todos os aspectos, em boa forma física, nadando travessias, trabalhando full-time. Minhas pernas dão trabalho, os músculos incomodam, mas estão 100% operacionais, sem lesões ortopédicas.

Então, depois de ensaiar aqui e ali, aluguei uma Ducatti Monster 796, a naked disponível aqui na vizinhança. Moto de cidade, pequena para a potência, rápida e leve. Saí pilotando da loja, e, idoso conservador idiota, vim para casa. Aí o único mico. Na descida para o estacionamento no prédio onde moro, a moto caiu de lado. A descida é íngreme, tem uma curva para a direita, não dá para saber se tem gente ou veículos vindo ou circulando no piso onde eu iria. E a porta da garagem são duas comportas. Ao tentar fazer a curva na descida apertei o freio de mão, muito súbito e forte. A moto inclinada para a curva, caiu. Não aconteceu nada nem comigo nem com ela, mas precisei a ajuda de vizinhos para levantá-la. Durante o fim de semana desenvolvi uma técnica de entrar e outra de sair da garagem. Uma chatice meio humilhante. Investindo na prevenção de Alzheimer. A saída também foi um problema, pois tem a curva, as comportas, a rampa muito íngreme, e a Ducatti é poderosa, se soltar um pouco mais o acelerador ela sai voando. Aliás, voar foi o que eu menos fiz neste fim de semana.

O próximo problema é que o mundo mudou em 25 anos. Tem radar por tudo, não adianta querer ir rápido. Eu usava capacete só em estrada, agora é o tempo todo. Precisa guardar óculos de sol e de leitura, e as tais máscaras. No verão, não dá para colocar uma jaqueta com bolsos; usei uma mochilinha de trilha para colocar óculos, máscaras, documentos, e os malfadados controles. Agora, todo local tem controle. A posição de pilotar é de corrida, curvado para a frente. O bolso da frente do jeans é inútil, só dá para usar se sair da moto e esticar a perna. No segundo dia desenvolvi uma maneira de colocar o controle  principal junto com a chave da moto, em cima do tanque. E o resto tudo na mochilinha,  No segundo dia consegui até ir no mercado, a tal mochilinha cabe umas coisinhas.

O problema que mais deve ter ajudado na prevenção de Alzheimer continuou sendo a entrada na garagem do prédio. O freio de mão é súbito demais, ainda mais numa descida íngreme. O freio de pé é à direita, e a curva na descida é para a direita. Descer com a moto pendendo para a esquerda, apoiada na perna esquerda, em uma curva para a direita, onde o piso pende para a direita, com o pé direito no freio, é muito estranho, precisa ir pulando de pé em pé. No fim do segundo dia eu havia adquirido um controle melhor do freio de mão. Talvez até a queda não tenha sido só minha falha, creio que o freio tinha sido regulado muito recentemente. Com o uso, passou a ficar menos súbito.

Fui treinando enquanto circulava pela cidade, e começou e me voltar um jogo que se faz entre os dois freios, assim como começou a voltar uma ginga, fazendo oitos com a moto, caindo para um lado e para outro na reta. E nas curvas recuperando a ginga das inclinações da moto e do corpo. No segundo dia, com bem mais do equilíbrio, comecei a prestar atenção nos obstáculos que já me levaram a acidentes lá na outra época. O maior problema de trânsito são os pedestres e animais. Eles não percebem que o equilíbrio de uma moto grande é precário. Quando 250kg tombam não tem como segurar. Não dá para desviar de cachorros e pessoas. Eu já me esborrachei no chão desviando de pessoas, e já passei reto sobre um cachorro a 200km/h. Na garupa, só alguma bisneta atlética, pois não pode ser pessoa pesada, grande, medrosa, e muito menos cheia de opiniões.

Dr Paulo Bittencourt