Esclerose múltipla muito ativa, grave ou maligna

Deterioração em esclerose múltipla

A esclerose múltipla muito ativa, que já recebeu o nome de forma de Marburg, maligna ou rapidamente progressiva, é diferente das doenças mais usualmente reconhecidas pelos médicos, como a de recidivas e remissões, progressiva primária e progressiva secundária. Na forma mais comum de esclerose múltipla ocorre uma fase progressiva entre 10-20 anos após a fase inicial das crises, chamadas de remissões e recidivas. Na fase progressiva, as pessoas perdem mobilidade, controle de esfíncteres e função cognitiva.

Definições de esclerose múltipla muito ativa variaram no passado, mas tem em comum o início precoce e inesperado de incapacidade física, com recidivas frequentes e doença muito ativa na ressonância magnética. Chamar de maligna pode ser inapropriado, pois passa a ideia de que seja intratável, o que não é verdade. Portanto chamar de agressiva é mais apropriado. O nome maligna pode ser utilizado em raros casos que tem um curso fulminante em meses ou poucos anos, como a forma de Marburg, com lesões que parecem tumores e necróticas.

Esclerose múltipla muito ativa desde o início ocorre em 4–15% dos pacientes. A inflamação é mais intensa, com placas agudas com macrófagos e padrões distintos de desmielinização e transecção neuronal, com injúria tecidual que mais parece hipóxia e isquemia. A desmielinização inclui degeneração e apoptose de oligodendrócitos, como nos estágios iniciais de lesões isquêmicas, com desestruturação glial, diferente do padrão homogêneo de destruição visto nas formas progressivas da doença.

Esclerose múltipla muito ativa é definida como o fenótipo de crises e remissões adicionado de uma deterioração na escala EDSS de 4 pontos nos primeiros 5 anos da doença; muitas recidivas, mais que 2, no corrente ano, com recuperação incompleta; mais de 2 lesões novas ou aumento do volume de lesões já existentes em T2 na ressonância, ou lesões que mantém realce com gadolíneo apesar do tratamento; falta de resposta a um ou mais tratamentos usuais do tipo do interferon; todos levando a progressão precoce.

Outra maneira de prever quais casos vão evoluir mal é a previsão de conversão para esclerose múltipla progressiva primária: pouco tempo para cumular 3 pontos de perda na EDSS; alta frequência de recidivas na fase precoce; pequeno intervalo entre recidivas. Identificando fatores de risco no fenótipo de remissões e recidivas, como no caso de neurite óptica com alta carga de lesões na ressonância, é possível prever maior incapacidade 20 anos depois.  Em todos estes casos, já se sabe que os tratamentos usuais como interferon não funcionam. Tratamentos convencionais precisam ser reconsiderados nestes casos, para não perder uma janela de oportunidade de evitar maior incapacidade irreversível.

Pacientes com esclerose múltipla muito ativa tem risco iminente de progressão, e a janela de oportunidade terapêutica se fecha rapidamente. Eles precisam de tratamento definitivo rápido, como um tratamento de indução de remissão. Uma forma de imunossupressão que funcione desde o início, para parar a imflamação, resetando o sistema imune, prevenindo a dispersão de epítopos e dano estrutural, atingindo remissão rápida. O objetivo é atingir rapidamente o estado de sem evidência de atividade da doença,  NEDA em inglês, o padrão ouro de tratamento.

Tratamentos de indução existentes incluem mitoxantrone, cladribina, ciclofosphamida, fingolimod, natalizumab, alemtuzumab, rituximab, ocrelizumab e transplante autólogo de células tronco hematopoiéticas. Atualmente não existe um algoritmo, uma rotina definida para atender esclerose múltipla muito ativa. Na verdade, como são tratamentos com certo risco e complexos, a escolha depende muito do que é disponível, e da disposição do médico e do paciente de enfrentar riscos. Existem estudos que indicam que pacientes tem mais ânimo de enfrentar risco que neurologistas.

Alemtuzumab tem demonstrado eficácia e efeitos colaterais manejávei, mas no estudo CARE-MS II 13% dos pacientes continuaram a progredir. Embora muito melhor que dose elevada de interferon-β, esta eficácia deixa um pouco a desejar em muitos casos, e só pode ser utilizado com bom suporte hematológico e imunológico. Uma recomendação é usar alemtuzumab por 2 anos, manter se funcionar com infusões ocasionais; desistir no primeiro ano se não funcionar, e passar para transplante autólogo de células tronco. Caso estas alternativas não sejam práticas ou disponíveis devido à sua complexidade hematológica e imunológica, existem outras formas de imunossupressão potente, como ciclofosfamida, mitoxantrona ou cladribina. Os autores citam especificamente o tratamento de alta dose de ciclofosfamida e células tronco hematopoiéticas da Dimpna como uma das alternativas terapêuticas nesta situação.

Texto abstraído de Highly active multiple sclerosis: An update. Cindy Díaza, Luis Alfonso Zarcob, Diego M. Riverac Multiple Sclerosis and Related Disorders 30 (2019) 215–224

Dr Paulo Bittencourt