Melhorando dificuldade de aprendizado com a antiga educação européia

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Incluir crianças com dificuldade de aprendizado em atividades na companhia de colegas de idade e característica social é uma maneira reconhecida de corrigir dificuldades de desenvolvimento. Funciona para dificuldade de aprendizado, déficit de atenção, hiperatividade, inúmeras dificuldades que confundem professoras, psicopedagogas, coordenadoras, mães, avós, tantas pessoas que cuidam das crianças das desmontadas e remontadas famílias brasileiras.

Na verdade uma atividade como natação todo dia é como se fosse o terceiro estágio, modelo III, uma adaptação da recomendação de Edward JM Bowlby, psiquiatra inglês do século passado, colega e depois rival de Melanie Klein, citado por psicólogas e psicopedagas aqui da região de Curitiba. Bowlby era a favor de internatos para meninos desta idade no início do século passado. Escreveu isso em recomendações para a ONU. Justamente para o convívio com colegas da mesma idade e para fugir de mecanismos como a super-proteção e outros problemas familiares. A atividade de internato, que vamos neste artigo chamar de modelo II, é inviável em nossa sociedade atual. Existiu no Brasil até algumas décadas atrás. Para ser replicada através da prática frequente de um esporte, luta marcial ou dança, precisa ser frequente, dia sim dia não ou diária, e ocorrer sob supervisão independente da família.

O que parece ocorrer é que as famílias podem estragar os filhos, ou mais correto talvez, perpetuar e colocar em um palco de teatro problemas que os filhos talvez já tivessem. Esta era uma realidade conhecida de europeus na Idade Medieval, conforme conta um artigo  da BBC sobre educação de 23 de março de 2014. Com o título What medieval Europe did with its teenagers, William Kremer, do BBC World Service, mostra talvez o modelo original ocidental de educação moral.

Nórdicos europeus enviavam seus filhos ainda crianças para morar na casa de famílias em outros países. Nem sempre eles gostavam. Um embaixador de Veneza na Inglaterra achou muito estranho que em torno de 1500 ingleses de qualquer classe social eram mandados trabalhar fora de casa em torno dos 10 anos de idade por períodos de 5-10 anos.

Embora fosse para o bem das crianças, o italiano suspeitava que os ingleses podiam economizar na comida e exagerar no trabalho. Este costume se aplicava a grande parte das crianças, uma  minoria ia para a Igreja ou universidade.  O grosso das pessoas se preparava para a vida desta maneira. Segundo Barbara Hanawalt da Ohio State University, o italiano estava exagerando um pouco na idade. Os aristocratas mandavam seus filhos embora mais tarde, aos 14 anos, mas alguns pais realmente mandavam seus filhos embora ali pelos seis anos de idade.

Cartas e diários indicam que a experiência era traumática, levava a “torments and pain”. As dificuldades de viagem e comunicação significavam total isolamento a 30 ou 40 km de distância.

E porque um sistema assim cruel se desenvolveu? Talvez tenha havido influência da Praga Negra de 1350, que tornou muito caro o trabalho doméstico. Para os pobres, obviamente uma boca a menos para alimentar. Mas os pais acreditavam estar ajudando as crianças no seu aprendizado, nestes “estágios”, que duravam 7 anos, ou até uma década. Existia uma idéia clara que os pais podem ensinar algumas coisas, mas para aprender o resto das coisas, para poder se dar bem no resto do mundo, eram necessárias outras experiências, coisas diferentes, que só podem ser adquiridas de outras pessoas, segundo Jeremy Goldberg, da University of York.

Até na Itália se acreditava que alguns adolescentes mais difíceis podiam ser mais bem criados por estranhos. O mercador florentino do século 14 Paolo de Certaldo disse que esta era a única esperança no caso de muitos adolescentes. Em 1396, um contrato entre um jovem aprendiz Thomas e um ferreiro de Northampton chamado John Hyndlee foi testemunhado pelo prefeito. Hyndlee se tornou guardão e prometeu dar a Thomas comida e ensiná-lo sua profissão, e a não puni-lo muito severamente por seus erros. Thomas prometeu não sair sem permissão, roubar, jogar, visitar protitutas, ou casar. Se ele quebrassse seu contrato o termo de seu aprendizado dobraria para 14 anos.

Leonardo da Vinci foi criado assim, e assim desenvolveu todas suas habilidadades, para poder fazer tudo o que fez depois na vida, como aprendiz ainda menino em Florença, morando com um, e depois outro mestre. Artistas trabalhavam em oficinas com ferramentas e materiais especiais que chegavam de todo canto do mundo, precisavam ser obtidos com todo cuidado.

Estes jovens se divertiam nas tavernas da Europa com seu pagamento. Em partes da Alemanha, Suíça e Escandinavia, algum contato sexual era deixado passar no fim da adolescência e início da juventude, tinha até nome tradicional de “bundling” e “night courting” no fim do século 19, mas historiadores acreditam que era um comportamento que já existia desde a Idade Média. Ocorria na casa das meninas.

Alguma abuso dos aprendizes pelos mestres foi documentado, inclusive de meninas sendo violentadas e prostituídas, segundo Barbara Hanawalt, mas o fato que os perpetradores foram julgados e condenados indica que não era a regra. Nos casos documentados os pais foram atrás, estavam controlando a situação. Enfim, todo este sistema era bem estabelecido na sociedade européia da época.

Muitos pais do século 21 reconhecerão jovens do século 8 na descrição de São Bede: eram “magros, embora comessem muito, rápidos nos pés, destemidos, irritados e ativos”.  E se comoveriam com uma rara coleção de cartas do século 16 da família Behaim de Nuremberg. Michael, 12, aprendiz de mercador em Milão, anos 1520, escreveu à sua mãe que não estava aprendendo nada de mercados e finanças, e sim limpando o chão e com medo de pegar a praga negra. Friedrich, 14, queixou-se da comida da escola, pediu pequenas objetos de casa, e pensou quem poderia lavar suas roupas. Sua mãe mandou 3 camisas em um saco e um bilhete: “Use o saco para roupa suja”.

Talvez aí, há 500 anos, esteja o modelo original, o modelo I de educação moral, antes de existirem os internatos, o modelo II, e depois deles, as escolas e as atividades extra-curriculares, o modelo III. Nós, pais brasileiros, sabemos que muitas das nossas escolas não dão esta educação moral aqui descrita como modelo I e modelo II. Será que o sistema brasileiro que está aos poucos entrando, com mais e mais horário integral, será capaz de prover esta instrução de vida? Será pela falta do componente moral que nossas escolas vão tão mal em todas estatísticas internacionais?

 

Texto Prof Dr Paulo Bittencourt, PhD, MTABN, FAAN

Figura, homenagem no dias das mães, que este ano foi simultâneo ao dia do oftalmologista, cortesia do Dr. Irineu Antunes Neto