Tratamento da dependência dos benzodiazepínicos tarja preta

Na clínica onde sempre atendi pessoas com problemas de remédios tarja preta costumo brincar que estou ali há tanto tempo que quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, pediu informações a mim. Os vikings haviam me deixado aqui. Entre as muitas re-invenções da roda que assisti estão os “ansiolíticos”, que tem na caixinha escrito que desenvolvem dependência química, e precisam de receita azul. Quase todos os dias atendo pessoas que consultam por outros motivos, mas que precisam tratar sua dependência química.

No fim de 2017 farei 40 anos do início de um PhD sobre farmacologia clínica destes benzodiazepínicos. Em seguida, aos 25 anos de idade, lançamos o temazepam (Bittencourt P, Richens A, Toseland PA, Wicks JFC, and Latham AN. Pharmacokinetics of the hypnotic benzodiazepine, temazepam. British Journal of Clinical Pharmacology 8: 37S-38S, 1979). Esta foi a publicação científica número 1 do meu currículo.

A tese e minha residência em Londres terminaram em 1981. Em 1982 eu estava trabalhando na Rua Padre Anchieta 155, e já apareciam pacientes viciados em benzodiazepínicos. No início eram os psiquiatras que usavam bromazepam, o Lexotan, e diazepam, o Valium. Eu era obrigado a desdizer o hábito dos meus colegas médicos tão frequentemente, que me instruí com o Conselho de Medicina e publiquei como eu fazia para curar o vício dos benzodiazepínicos  (de Oliveira SM, Bittencourt PRM. Adição e síndrome de retirada de benzodiazepínicos. Neurobiologia , Recife, 54(1): 27-34, 1991). Esta já foi minha publicação científica de número 90! A co-autora é a hoje endocrinologista Dra Silmara de Oliveira Leite, minha estagiária.

O lorazepam, cujo nome de referência é Lorax, foi o principal responsável pela morte de Michael Jackson, segundo as análises do Condado de Los Angeles. Pelo nível sanguíneo, os oficiais concluíram que ela havia ingerido 40 comprimidos de lorazepam nas horas antes de utilizar o propofol que foi a causa imediata da morte, tudo administrado pelo Dr Murray (CNN 2011), o “cardiologista” que era seu médico pessoal.

As companhias farmacêuticas se aproveitam de que muitos médicos aprendem com as visitas dos representantes, e lançam produtos que facilitam o desenvolvimento do vício, como o Rivotril em gotas e o Frontal e Apraz, Alprazolam, 0,25mg. Estas pequenas doses lembram um shot de tequila. É relativamente comum, inclusive, a alternância do hábito do álcool com os benzos, pois utilizam o mesmo receptor cerebral, o GABA.

Estes medicamentos são fáceis de iniciar e quase impossíveis de retirar. A dependência está fora do controle das pessoas, como ocorre com outras drogas lícitas e ilícitas. A retirada demora o tempo que o cérebro precisa para recuperar seus receptores, alguns meses. No caso de cocaína, morfina, álcool e nicotina, as taxas de recaída são altas. A taxa de recaída de benzodiazepínicos é baixa, mas depende da doença básica. Muitos pacientes tem algum problema subjacente que precisa ser tratado com outro medicamento, obviamente. O prognóstico varia com os remédios que a pessoa esteja tomando, as doenças que a pessoa tenha.

Os benzodiazepínicos são relaxantes musculares, anti-epilépticos e anestésicos. Podem matar por excesso, por falta, e por interação com outros medicamentos, como mostram todos estes acidentes dos artistas através dos anos, e os episódios de Boa Noite Cinderela. Todos eles são qualitativamente iguais, tem os mesmos efeitos, o que varia é o timing de cada um. Ou seja, varia a vida-média de absorção e de eliminação, e se existe acúmulo ou não. Alguns, como o Dormonid, ficam horas no corpo. Outros, como o Lexotan e o Rivotril, podem ficar até o mês inteiro.

Dr. Paulo Bittencourt