Como prolongar vida e saúde com antropologia e genética

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Cada pessoa pode tirar de sua natureza elementos para prolongar vida e saúde, ou seja, seu tempo de vida saudável, os anos de vida que terá antes de se tornar incapacitado. Examinaremos tres dimensões.

Antropologia

Nossa primeira dimensão é espacial. Essencialmente, nós derivamos de um grupo de humanos, caçadores e juntadores de objetos, que deixaram a África pela região da Etiópia e Somália, o chamado Chifre da África. Andaram em duas direções: norte, para o Oriente Médio; e leste, pela costa do Mar Vermelho, Oceano Índico, até o sudeste da Ásia, sul da China, ilhas da Indonésia, e deram origem aos aborígenes do Pacífico e Austrália.

Aqueles que haviam ido para o Oriente Médio deram a volta no Mediterrâneo, subiram para a Europa e pararam, tudo estava gelado dos Alpes para cima. Foram para a Ásia, por baixo e por cima dos mares Negro e Cáspio, até o mar Baikal. Quem foi por baixo, caminhando pela praia no Oceano Índico, se misturou com os que tinham ido pelas estepes quando chegaram ao sul da China. Os que foram pelas estepes do norte e chegaram à Sibéria, atravessaram e deram origem aos povos da América. Estive pessoalmente com olhos de investigador no Himalaia, Andes e na Cordillera do México. A semelhança física e cultural dos nativos destas regiões é impressionante.

A próxima dimensão é temporal. Está bem estabelecido que o Homo sapiens surgiu 100 mil anos atrás em torno do oásis do mundo, os grandes lagos e montanhas do centro da África. Pode ter sido na atual África do Sul ou no Rift Valley, na Etiópia. Um pequeno grupo, algumas centenas, atravessou o Chifre da África há 60 mil anos; há quinze mil anos estavam estabelecidos na Sibéria e sudeste da Ásia; entre 15000 e 5000 anos atrás na América; no centro da Europa 7500 anos atrás.

Genética

A terceira dimensão é quem e como eram estas pessoas. Estudos da Irlanda são interessantes, pois para chegar lá precisaram atravessar todo o continente europeu.  A ideia é que como hoje, os jovens vão caminhando, viajam sem parar, enquanto que os que se juntam em famílias, desenvolvem plantações, vão ficando em locais mais aprazíveis. A evidência indica que lá na beira do Atlântico Norte existia pessoas parecidas com nativos da Espanha e Sardinha 5200 anos atrás, enquanto que 4000 anos atrás já existia um forte componente eslavo, típico da Ucrânia. A população europeia ocidental de 7500 anos atrás era de caçadores fortes e pele escura, tinha olhos azuis, um tipo que não existe mais, exceto talvez no norte da Espanha. Estes se misturaram com os que vieram mais tarde do Oriente Médio, já de pele clara, olhos castanhos e cabelo escuro, agricultores. Além dos eslavos, existe a contribuição de um terceiro grupo, siberiano, ainda mal conhecido porque estas análises são realizadas em poucos pedaços de ossos, que mostram uma interferência asiática dupla. A primeira, quando o continente europeu foi colonizado, entre 15 mil e 7500 anos atrás, e não antes devido à Idade do Gelo, já que havia humanos tentando andar para cima desde 60 mil anos atrás.  Depois, houve uma segunda onda.

Saúde e tempo de vida

Não existe dúvida que o tempo de vida e o tempo de saúde variam juntos, e com a genética. É certo que a pele dos europeus clareou para absorver melhor vitamina D, e que os eslavos trouxeram a possibilidade de continuar tomando laticínios na idade adulta. A metformina, uma droga usada para diminuir a glicose em diabéticos, prolonga a vida de ratos de laboratório, retarda envelhecimento e início de câncer. Fome, jejum, e restrição calórica contínua prolongam a vida de roedores, a deterioração do estado da memória e dos músculos, assim como o início de câncer e cataratas.

Doença e morte

A cascata da morte é difícil de estabelecer em cada caso, ainda mais com a genética e causas externas, como trauma. O usual é pensar que idade traz doença, e, de fato, células velhas e doentes são parecidas. Ratos e humanos velhos não suportam bem desvios da normalidade como paradas cardíacas, delírio, disfunção de mitocôndrias, dano ao DNA, inflamação e má comunicação intercelular. Porém, vale a pena considerar o oposto deste modelo simples: talvez sejam as doenças que acelerem o envelhecimento. A síndrome metabólica é associada com insuficiência renal e disfunção cognitiva, doença periodontal e inflamação na pele. Doença crônica obstrutiva pulmonar é associada com degeneração renal, muscular e cognitiva. HIV e seu tratamento são associados com declínio físico e cognitivo, vascular e ósseo. Portanto, idade acelera doenças que aceleram a idade. Muitos remédios, como beta-bloqueadores e AAS, modificam este duplo círculo vicioso, e são conhecidos dos médicos há 30 anos.

Tempo de vida

Esta é uma medida em estudos que demonstraram que o resveratrol presente em vinhos tintos e sucos de uva prolonga a vida de leveduras, nematodos e insetos.  Em ratos, o efeito foi como no paradoxo francês, evitou o efeito que uma dieta alta em gordura tem de produzir resistência à insulina, obesidade e dislipdemia. Rapamicina aumenta a vida, diminui envelhecimento e risco de doenças inclusive psiquiátricas, cardíacas e obesidade. Metformina talvez funcione como um mimético de fome e é estudado como preventivo de câncer e doenças cardiovasculares na ausência de diabetes.

O presente e o futuro

Enquanto a pesquisa de envelhecimento continua, será crítico considerar se intervenções pausam a vida, atrasam a morte, ou realmente alteram o mecanismo de envelhecimento. Um dos desafios é distinguir novos mecanismos além das mutações eat-2 ou eat-18, por exemplo, através da qual a vida de nematodos foi prolongada com redução calórica. Outras intervenções reduzem o apetite e tornam o alimento ruim. Como dizem os autores nos quais me baseei para boa parte desta revisão: “Upstream mechanistic research would end up focusing on appetite and food intake control, rather than on pathways of cell dysfunction and health. Well-planned studies address this caveat by measuring food consumption and body weight. Thus, seemingly novel processes or mechanisms identified in lifespan studies may simply point to known interventions”. (J. O. Brett and T. A. Rando. Curr Opin Genet Dev. June 2014).

A impressão final é que a aceitação do perfil genético de cada um leva à melhor adaptação alimentar, assim como a adaptação a outros aspectos do meio ambiente, como ocorreu com a cor da pele. Com certeza esta adaptação prolongou a vida e o tempo de vida saudável observado pelos humanos em suas pesquisas. É para suas origens que a pessoa deve olhar, talvez ajudada por experts, enquanto a pesquisa sugerida pelos autores da Neurologia de Stanford não produz mudanças genéticas radicais.

Para obter mais informação

Você pode achar mais sobre a parte de saúde no meu livro Quando a cabeça dá problema (ebook, 3ª edição, amazon.com, ou 1ª e 2ª edição esgotadas, nos sebos eletrônicos). E sobre a parte de genética, história e antropologia no Fora da casinha, uma análise história da loucura, 2ª edição, disponível na Dimpna, em Curitiba, por ordem direta (dimpna@dimpna.com) . A 1ª edição do Fora da Casinha não contém esta informação histórica e antropológica.

Prof. Dr. Paulo Rogério Mudrovitsch de Bittencourt, PhD, FAAN