Antidepressivos e suicídio ou mortes violentas inesperadas

Antidepressivos e suicídio

A associação de antidepressivos e suicídio é óbvia. Qualquer um de nós, na prática, nunca ouvimos falar de alguém que se matou sem estar tomando antidepressivos, ou algum estimulante do tipo da anfetamina e da cocaína. Mas a maioria das pessoas pensam que foi uma falha de tratamento, ou seja, os antidepressivos não conseguiram segurar a situação. Na verdade, é o contrário. Da mesma forma, cada vez que ocorre alguma barbaridade nas notícias, mães que matam filhos, gente que fica louca do nada, homens que matam as mulheres que amavam, famílias que acabam matando um jovem como o jogador de futebol, pode ir atrás, você descobrirá medicação e drogas por trás.

Esta diferença de paradigma já dura 20 anos. Um extremo desta questão ocorreu nesta época, quando uma mãe matou vários de seus filhos em Houston, Texas. Eu estava assistindo a CNN, quando Larry King entrevistava três homens que tinham sido maridos destas três mulheres. Todos os 3 deram o mesmo testemunho: as mulheres estavam em depressão pós-parto, tomando combinações de 2 ou 3 antidepressivos com benzodiazepínicos. A venlafaxina era sempre um dos antidepressivos. O conceito mais moderno é que estas depressões psicóticas são pioradas por antidepressivos e por benzodiazepínicos. Depressão pós-parto, doença psiquiátrica crônica, seja com diagnóstico de pânico, depressão, ansiedade ou distúrbio obsessivo e compulsivo, é parte do espectro da genética de bipolaridade. E bipolaridade piora com antidepressivos. Existe até bipolaridade induzida por antidepressivos, ou seja, só ocorre quando a pessoa toma antidepressivos.

Hoje em dia, o paradigma de que quase tudo isso é bipolaridade de origem genética, piorada por antidepressivos e remédios tarja preta, já está nos livros texto de psiquiatria, de medicina geral, e nas classificações de distúrbios mentais aceitas pelas associações nacionais de psiquiatria, como os DSMs – Diagnostic and Statistical Manual, da Associação Americana de Psiquiatria, aceitos pela Brasileira. Portanto, a associação de antidepressivos e suicídio é muito bem conhecida e um fato clínico estabelecido. Talvez não dos curadores espíritas e dos médicos que aprendem com representantes comerciais. A relação de antidepressivos e suicídio é estreita.

Há alguns anos, fui passar uma semana em Zurich, Suíça. Instalei-me em um hotel na zona central da cidade e levei uma vida normal durante todos os dias de uma semana, de domingo a domingo. Assistia à televisão local à noite, em várias línguas, dormia. Assistia os jornais no café da manhã, ia trabalhar e voltava, a pé ou de táxi. No hospital almoçava no refeitório e lia os jornais locais.

Um fato foi marcante: não ocorreu nenhuma morte violenta ou inesperada e nenhum suicídio, em toda a Suíça, naquela semana. Nada. Eu confirmei, usando uma secretária que a direção do hospital tinha me providenciado. Não ocorreu nenhum acidente de trânsito com feridos, seja de esqui, trem, ônibus, automóvel, avião, carroça, trator ou cavalo, todos meios de transporte em pleno uso na Suíça. Nos 5 anos em que morei em Londres, assim como até hoje em todo o Reino Unido, qualquer morte violenta inesperada é motivo para manchetes em jornais, TVs e internet. Note que nestes países não existem espiritismo, charlatanismo, curandeirismo, ou prática de especialidade por não-especialistas.

Não é necessário lembrar a banalização da vida no Brasil, morremos em muito maior número que em países desenvolvidos, de COVID, acidentes de trânsito e violência. Morre mais gente no Brasil de causas violentas que nas guerras do Afeganistão, Iraque ou Vietnã. Em Curitiba, em 3 anos seguidos há alguns anos, faleceram 6 pessoas de morte inesperada ou suicídio, na população do meu conhecimento, no máximo 20 mil pessoas. Fossemos nós a Suíça, com seus 7,5 milhões de pessoas, teríamos que ter tido 375 vezes mais mortes, ou seja, ao invés de uma a cada 90 dias, 4 por dia. A classe média alta de Curitiba está tendo mortes inesperadas ou suicídios em um ritmo pelo menos 30 vezes pior que a Suíça. Pela lista da Organização Mundial da Saúde, naqueles mesmos anos, o pior país é a Lituânia, com 40 mortes por 100.000 habitantes por ano. Nosso número seria 20 por 100.000 habitantes, ficaríamos em 16º lugar do mundo. O detalhe é que suicídios são notoriamente escondidos e sub-notificados em países latinos, católicos e em desenvolvimento. Na religião judaica são totalmente negados.

Dos casos que tenho detalhes, todos estavam em tratamento com benzodiazepínicos e/ou antidepressivos. O último suicídio na minha clientela foi há 20 anos, pararam quando diminuí vertiginosamente o uso de antidepressivos. Quando emergiu uma literatura internacional que indica que grande parte das depressões graves e psicóticas são associadas com doença bipolar. Dentro desta perspectiva, tanto o antidepressivo quanto o benzodiazepínico podem levar a um aumento de suicídios, por estimularem comportamentos repetitivos. São idéias obsessivas, que se repetem compulsivamente, aquilo gira e gira na cabeça da pessoa, até que ela executa. O mesmo com acidentes que levam a mortes violentas desnescessárias. Quem se interessar pelos fisiculturistas que ocasionalmente se envolvem em assassinatos, estavam tomando bombas de cortisona ou testosterona, que tem o mesmo efeito das anfetaminas, dos antidepressivos e da abstinência dos tarja preta.

O doente exige estimulantes, antidepressivos e, muitas vezes, o benzodiazepínico. Na mão de não especialistas, a mistura se torna bombástica. Uma analogia grosseira é a mulher que vai a um oncologista tratar seu câncer de mama. Tira um pedaço da mama, faz radioterapia no resto, queima a pele, faz quimioterapia. Um homem com câncer de próstata faz cirurgia ou endoscopia, radioterapia estereotáxica ou braquiterapia, radioterapia conformacional ou tradicional, faz ou não quimioterapia, se toma ou não hormônios, e que dose toma de hormônios e de cada um dos componentes da quimioterapia. Alguém discute doses de todos estes tratamentos, tamanho da cirurgia, deixa de fazer radioterapia porque está de mau humor? Ou fazem tudo que o convênio paga?

A pessoa vai tratar sua depressão, diz que de sua cabeça ela mesma entende. Já entra no consultório dizendo que tem depressão, quer a receita. Porém, a receita é o resultado de um ato médico, nem pode ser dada sem uma consulta associada. Mesmo quando consulta particular, muitos especificam seu diagnóstico e tratamento. E lá se vão onde possam cuidar de sua cabeça da maneira que eles mesmos acham correta.

Tireóide, pâncreas, fígado, coração, rim, são órgãos de uma simplicidade brutal em comparação ao cérebro e seus bilhões de neurônios e sinapses, arranjados em órgãos diferentes: hipocampos, amígdalas, vários gânglios da base, substância reticular ascendente, sistemas límbico, do lobo frontal, da memória, da função verbal. São tantas as partes do cérebro que existem maneiras conceitualmente diferentes de dividi-lo. Pode ser em seus diferentes órgãos, uma divisão anatômica, ou em seus diferentes sistemas, uma divisão funcional, que está sempre sendo aprimorada.

É pior do que inocência acreditar que qualquer um pode resolver as coisas do cérebro, tratar de problemas cerebrais, independentes de serem os seus ou de outros. Na verdade, é um paradigma político. O poder de atender a mente das pessoas é da elite, como na Espanha até há pouco tempo, onde a Santa Inquisição foi substituída pela segurança da ditadura de direita de Franco. No Brasil o judiciário e os conselhos de profissões, assim como as muitas igrejas, assumem este papel de atender a mente das pessoas. Claro, com estes objetivos, a relação de antidepressivos e suicídio é o menos importante.

No Brasil moderno, ocorre a indiscriminada prescrição de antidepressivos e benzodiazepínicos por médicos de qualquer especialidade, grande parte das vezes a pedido dos pacientes. Como os opiáceos. Não posso entender        que cardiologistas, ortopedistas, ginecologistas, até mesmo reumatologistas, tenham treinamento psicofarmacológico para se responsabilizarem por risco de dependência química e suicídio.

Na vida, quando ultrapassamos os limites levamos multas de trânsito, vamos presos, perdemos empregos, amigos e colegas. Pois então, parece que o preço de ultrapassarmos os limites na área mental e comportamental pode ser caro: a vida. Antidepressivos e suicídio é um exemplo claro.

Durante o ano de 2008 tivemos 3 acidentes muito proeminentes de medicamentos. O rabino Henry Sobel e seu problema das gravatas em Palm Beach, pelo que pude concluir, relacionado com uso crônico de Rohypnol. O lutador Ryan Gracie e seu surto inexplicável em uma rua de São Paulo, seguido da morte em um distrito policial, após ser atendido pelo médico da família. A partir de reportagens públicas, fica claro que ambos vinham usando os tarja preta desde muito tempo. Os sintomas podem ter sido uma abstinência, como claramente descrito nos livros de farmacologia, neurologia e psiquiatria. Nas caixinhas, até de Rivotril e Frontal, está escrito “Pode causar dependência química”. Na abstinência as pessoas podem ter insônia progressiva, ansiedade, surtar como um psicótico, e ter convulsões. Em grande parte destes pacientes, os benzodiazepínicos foram usados para conter a piora da ansiedade ou insônia ocasionada por antidepressivos, aumentando a associação entre antidepressivos e suicídio.

Dr Paulo Bittencourt