Aduhelm ou aducanumab é um medicamento da família dos anticorpos monoclonais, produzido por engenharia genética pela Biogen. É um dos chamados “biologicals”, medicamentos que são como se fossem vivos, produzem efeitos no sistema imunológico da pessoa que os recebe. No caso, o Aduhelm ou aducanumab teve uso em doença de Alzheimer autorizado pelo FDA americano em junho de 2021. A autorização é controversa: 3 conselheiros do comitê do FDA pediram demissão por não concordar. O medicamento parece ter sido autorizado por uma razão política, talvez produto de lobbying. O establishment americano havia falhado. Nenhum remédio era autorizado na doença que mais preocupa os americanos há duas décadas. O FDA não reconhecia nenhum remédio que mude a história natural da doença.
Salloway et al. Neurology 2021; 97:543-544
O que existe desde o final da década de 1990 são indícios fortes de que a morte dos neurônios que ocorre na doença de Alzheimer ocorre por um mecanismo inflamatório. Existem várias formas de retardar o início da doença e lentificar seu progresso, algumas já em uso na nossa clínica – Dimpna – desde o início deste século. Já existem maneiras eficientes de mudar a história natural da doença de Alzheimer, mas nenhuma tem o selo do FDA ou organismos de saúde semelhantes de outros países, portanto não precisam ser pagos pelos convênios de saúde. Também existem medicamentos que melhoram os sintomas e sinais da doença, mas não mudam a história natural.
Hershey et al. Neurology 2021; 97:517-518
O FDA utilizou os estudos de fase 3 do Aduhelm ou aducanumab, chamados de EMERGE e ENGAGE, para identificar que o efeito benéfico ocorre em doença inicial, precoce. Estes são estudos duplo-cegos controlados por placebo. O que existe é uma diminuição de placas de amilóide detectadas em PET scan de amilóide, com até 78 meses de uso. Nestes estudos não foi demonstrado efeito em doença já bem estabelecida, até mesmo por que não foi pesquisado. Ou seja, a indicação clínica de Aduhelm ou aducanumab é em demência inicial ou no estado chamado de disfunção cognitiva leve, conhecido entre nós por pré-Alzheimer.
O efeito nas placas de amilóide nos PET scans, chamados de biomarcadores, ocorreu quando a dose mais elevada foi utilizada – 10mg/kg. Porém, o efeito no estado clínico é pequeno, equivalente a um atraso de 3 meses na evolução natural da demência. O FDA se apoiou nos PET scans para aprovar, e não no quadro clínico. Os PET scans são exames de pesquisa, não disponíveis na prática clínica em nenhum local do mundo, e demonstram os amilóides, o lixo que sobra no cérebro após a morte dos neurônios.
Na verdade, não se sabe se o Aduhelm ou aducanumab é útil funcionalmente. Esta é a posição oficial da Academia Americana de Neurologia. Ou seja, não se sabe se a memória e o comportamento da pessoa melhoram, ou mesmo se pioram mais lentamente. O efeito de retardar a evolução da doença em 3 meses só foi demonstrado nos PET scans. Portanto, a decisão de usar é complexa.
A segurança do Aduhelm ou aducanumab também preocupa muitos investigadores e neurologistas. Como ocorre com outros medicamentos que diminuem as placas de amilóide, ocorre edema e/ou hemorragia cerebral em torno das placas em 35% dos casos. Os portadores do gene APOE e4 tem maior propensão e desenvolver estas complicações. Pessoas que tiveram estas complicações ficaram com sequelas que duraram até 6 meses após a suspensão do tratamento. Em outras palavras, uma de cada 3 pessoas precisa parar a medicação devido a complicações neurológicas graves.
O Aduhelm ou aducanumab é administrado em clínicas de infusão ou de quimioterapia, como uma infusão mensal, que custa em torno de 5000 dólares. Além deste custo direto, os pacientes precisam fazer uma série de monitorizações para seguimento do tratamento, inclusive ressonâncias magnéticas frequentes.
Dr Paulo Bittencourt