Os “5 Grandes” traços psicológicos de personalidade, conhecidos como OCEAN das iniciais em inglês, são uma nomenclatura sugerida a partir de estudos nos anos 1980. Quando o modelo estatístico chamado de análise fatorial é aplicado a pesquisa social surgem associações léxicas: algumas palavras são utilizadas para descrever aspectos de personalidade na mesma pessoa. Estas associações levam a 5 dimensões de personalidade, temperamento e psique:
– Openness: Abertura à novas experiências – pessoa curiosa versus cuidadosa
– Conscienciousness: Conscienciosidade– eficiente versus extravagante
– Extraversion: Extroversão – pessoa saideira versus reservada
– Agreeableness: Gentileza – amigável e dona de compaixão versus crítico e racional
– Neuroticism: Neuroticismo, ser neurótico ou sensível versus resiliente e confiável
Estas qualidades nunca são simplesmente presentes ou ausentes, sempre variam de intensidade. São sempre um tom de cinza ao invés de branco ou preto. Cada fator é correlacionado com outros subfatores. Extroversão é relacionada com ser gregária, assertivo, procurar excitação, calor humano, atividade e emoções positivas. Alguém descrito como “consciencioso” é mais provavelmente descrito como “sempre preparado” do que “atrapalhado”. Estudos em gêmeos já demonstraram que estas qualidades são adquiridas durante a vida em grau semelhante a serem herdadas geneticamente, meio a meio, e permanecem estáveis da infância à vida adulta.
https://en.wikipedia.org/wiki/Big_Five_personality_traits
Embora estas noções já existissem nas humanidades, em 1949 Joy P Guilford realizou uma análise multivariada de personalidade, analisando escalas de atividade, controle, ascendência, sociabilidade, estabilidade, objetividade, amigabilidade, ser pensativo, relações pessoais, e masculinidade. Em seguida concentrou os resultados em 3 dimensões: atividade social, introversão-extroversão e saúde emocional. Tupes e Christal acharam 5 domínios principais em 1961: “surgency”, “agreeableness”, “dependability”, “emotional stability”, and “culture”. Norman mudou “dependability” por “conscientiousness”.
Houve um hiato na pesquisa nos anos 1970, quando a ideia geral era que personalidade e comportamentos não podiam ser previstos ou fixos com um grau estatístico de correlação maior que 30%. O paradigma do modelo de 5 dimensões passou a ser aceito nos anos 1980, após um simpósio no Havaí, onde estiveram Lewis Goldberg, Naomi Takemoto-Chock, Andrew Comrey e John M. Digman. Metodologias modernas foram confirmando que padrões de comportamento eram previsíveis quando se agregava grande número de observações. Ou seja, é uma realidade social, populacional. E “personalidade” passou a realmente existir: o Big Five – 5 Grandes traços psicológicos de personalidade – estava estabelecido no fim dos anos 1980. Em 2016 passou a ser testado de acordo com o DSM-5, ou seja, deixou as humanidades e entrou na Medicina. Testes usando este modelo foram usados pela Cambridge Analytica como parte da controvérsia do perfilamento psicológico que sacudiu as eleições americanas de 2016.
Rothmann S, Coetzer EP (24 October 2003). “The big five personality dimensions and job performance”. SA Journal of Industrial Psychology. 29. doi:10.4102/sajip.v29i1.88.
Goldberg LR (January 1993). “The structure of phenotypic personality traits”. American Psychologist. 48 (1): 26–34. doi:10.1037/0003-066x.48.1.26. PMID 8427480.
A crítica é que os Big Five cobrem 60% da esfera de traços psicológicos de personalidade, e que não são resultado de uma teoria, e sim um achado estatístico de estudos de análise fatorial. Porém, existe consistência do Big Five em entrevistas, autodescrições e observações, através de uma ampla gama de idades, grupos sociais, étnicos e culturais. Mas dimensões genotípicas de traços de comportamento variam conforme a cultura analisada, em função de variações no condicionamento sociocultural e aprendizado.
Devido a ser um modelo léxico, o Big Five tem detalhes metodológicos. A linguagem foi desenvolvida para facilitar a socialização, a troca de informação, e para sincronizar a atividade de grupos sociais. Existem mais palavras para aspectos sociais do que físicos ou mentais de comportamento. Existe uma negatividade nas emoções, pois a maioria tem um afeto negativo. A maioria dos estudos léxicos tem um desvio para sociabilidade positiva e emoções negativas.
Neuroticismo é um traço de muitos modelos de teoria da personalidade, mas sua definição é controversa. É uma tendência a rápida reação de alerta ao estímulo, em especial através de emoções negativas, como instabilidade emocional, falta de ajustamento, negatividade, falta de autocontrole, pouca habilidade para manejar stress psicológico, e tendência a reclamar.
https://en.wikipedia.org/wiki/Neuroticism
“Conscienciosidade” é o traço de personalidade da pessoa ser cuidadosa, diligente, ter um desejo de fazer bem as tarefas, levar obrigações com os outros a sério. Estas pessoas são eficientes, organizadas, em oposição a serem “relax” e desorganizadas. Exibem autodisciplina, agem de acordo com sua obrigação, visam objetivos, tem comportamentos planejados, são menos espontâneas, as pessoas podem depender delas. São arrumados e sistemáticos. Cuidadosos, deliberados. São as pessoas que se diz que tem caráter. Quando mais intensa esta qualidade leva as pessoas a serem os “workaholics”, perfeccionistas, compulsivos. Os pouco conscienciosos são mais largados, despojados, menos dirigidos por objetivos, alvos, sucesso. Também são os mais antissociais e criminosos.
https://en.wikipedia.org/wiki/Conscientiousness
Na busca destes traços psicológicos de personalidade serem herdados geneticamente ou adquiridos pela experiência do aprendizado, foram realizados estudos em golfinhos, que tem várias características parecidas com as de humanos, embora tenham se desenvolvido em um ambiente radicalmente diferente desde seu último ancestral comum, há 95 milhões de anos. Um estudo avaliou 134 golfinhos da raça nariz de garrafa, machos e fêmeas, em 8 aquários em vários países. As escalas foram aplicadas pelos seus cuidadores.
Curiosidade e sociabilidade foram muito fortes. Como primatas, golfinhos são inteligentes e sociais, e tem cérebros maiores do que o esperado para controlar as funções corporais básicas. O excesso de matéria cinzenta é responsável pela inteligência, e as espécies inteligentes são em geral curiosas. Os traços humanos de abertura, “conscienciosidade”, extroversão, gentileza e neuroticismo já foram comparados em estudos com outros primatas, porém golfinhos se desenvolveram em um ambiente muito diferente.
F B Morton, L M Robinson, S Brando, A Weiss. Personality structure in bottlenose dolphins (Tursiops truncatus) J Comp Psychol . 2021 Jan 18. doi: 10.1037/com0000259
O golfinho com nariz de garrafa, Tursiops truncatus, é semelhante a outras espécies de primatas não humanos, em vários traços cognitivos e de comportamento. Como orangotangos, chimpanzés e elefantes, golfinhos vivem em grupos dinâmicos, que passam um tempo juntos em algum lugar, depois mudam de lugar e muda a composição do grupo. Ou a composição do grupo é uma para dormir e outra para sair durante o dia. São as sociedades de fusão-fissão.
Os questionários aplicados aos golfinhos revelaram abertura, sociabilidade e falta de gentileza, assim como uma maneira de serem diretos, um misto de conscienciosos com baixo neuroticismo, que pareceu único a golfinhos. Diferente de outras espécies, mas semelhante a humanos, não tem uma característica forte de dominação. Estes achados indicam fortemente que estas características não dependem do ambiente, e sim da estrutura genética de todos estes primatas vertebrados.
Dr Paulo Bittencourt