Como criar filhos e ser uma boa mãe ou um bom pai? São conhecidos truques de como criar filhos de alto rendimento, e enfatizar esforço ao invés de habilidade desenvolve uma ética de trabalho e motivação. Porém, alguns pais dão valor aos seus filhos se tornarem interessados nos outros, pois preferem qualidades como compaixão e empatia. Este padrão é comum ao redor do mundo. Curiosamente, tem base experimental e antropológica e na Teoria da Mente (TOM).
Um professor de gerenciamento e psicologia da Wharton School concluiu que criar uma criança com caráter pode ajudá-la a ter mais sucesso que métodos usuais visando alto rendimento. Publicado no New York Times em 11.04.2014 com o título Raising a Moral Child, o artigo de Adam Grant resume o livro “Give and Take: Why Helping Others Drives Our Success”.
Muitos experimentos sobre como criar filhos utilizaram o desenvolvimento do mecanismo TOM através da infância. Grupos étnicos europeus, asiáticos, hispânicos e africanos colocam mais importância em interesse pelos outros que em alto rendimento. Em 50 países pesquisados os valores que importam não são sucesso profissional, e sim cuidado e atenção pelos outros. Porém, compaixão e ternura são difíceis de ensinar.
Estudos genéticos em gêmeos sobre como criar filhos indicam que quase metade da propensão à bondade é herdada. Aos 2 anos as crianças começam a ter emoções de bom e mal, e elogios funcionam melhor, indicando à criança que generosidade é bom. O melhor é elogiar o caráter, e não cada ação em si. A criança internaliza o comportamento como parte de sua identidade, e aprende a observar suas próprias ações.
Para conseguir que filhos de 3 a 6 anos sigam comportamentos morais, é melhor usar substantivos do que verbos. Por exemplo, não seja um enganador versus não engane, ou seja um ajudante versus ajude. Quando nossas ações refletem nosso caráter, nós tendemos a escolhas morais e generosas; com o tempo elas se tornam parte de nós. Elogios são importantes nos períodos críticos de desenvolvimento de senso de identidade, em torno dos 8 anos de idade. Respostas a mau comportamento também importam. Quando filhos fazem mal aos outros, a consequência são emoções de vergonha ou culpa. Vergonha é a sensação de que sou uma má pessoa; culpa é o sentimento de que fiz uma coisa ruim. Vergonha é o julgamento devastador sobre o coração da pessoa. Faz as crianças se sentirem sem valor, e elas respondem com violência ou negação. Culpa é um julgamento sobre uma ação, e pode ser reparado. As crianças podem ter remorso, sentir empatia com quem fizeram mal, e tentar corrigir o erro.
Experimentos em bebês com bonecas que quebram mais facilmente demonstram que os que tem tendência a sentir vergonha evitam encarar o supervisor e mostrar a boneca quebrada. Os que sentem culpa mais provavelmente arrumam a boneca, se aproximam e contam o que aconteceu. Os envergonhados são negadores, os culpados são arrumadores. Se queremos que filhos se importem com outros, precisamos ensiná-los a sentir culpa, não vergonha.
A vergonha emerge quando os pais demonstram raiva, retiram o amor, ou tentam colocar seu poder através de punição, e o filhos ou a filha pensa que é má pessoa. Com este receio, muitos pais não colocam nenhuma disciplina, e impedem o desenvolvimento de qualquer padrão moral.
Dar sermões, falar sobre como as coisas deveriam ser, só piora as coisas. Piaget fez sua maior contribuição ao estudo do desenvolvimento infantil avaliando a ética e a moral do jogos de bolinhas de burico entre meninos pré-adolescentes na Suiça. Burico, uma atividade que já existia na Mesopotâmia, era disputado por meninos e meninas em vários países. As crianças tinham uma complexa ética com níveis e estágios de desenvolvimento moral, que funcionava de maneira semelhante em bairros diferentes da mesma cidade, tradição própria, e independente do discurso de mãe ou pai, avô ou avó.
Quando quem cria a criança detecta um comportamento indesejado e o critica, pode estar reforçando a situação original, através de um estímulo talvez mais forte que um elogio, e dando uma ferramenta forte de manipulação para a criança. A criança incorpora este comportamento em seu caráter, com resultado oposto ao desejado.
A resposta mais eficiente a mau comportamento é expressar desapontamento. Esta emoção abre a porta para eventualmente a mãe mostrar frustração, e colocar porque aquele comportamento fez mal e como pode ser retificado. O filho ou a filha pode desenvolver padrões de julgar suas próprias atitudes e sentimentos. Talvez muito antes do que se imagina, pode vir a desenvolver empatia, responsabilidade pelos outros e senso de identidade moral.
Criar filhos é mais do que esperar por oportunidade de reagir às suas reações; temos que nos antecipar na tarefa de comunicar nossos valores, da maneira correta. Um experimento sobre como criar filhos com videos no ensino elementar descobriu que filhos eram generosos quando observavam adultos serem generosos, e não quando os adultos os instruíam para serem generosos, mas haviam se comportado de maneira egoísta. A influência do adulto era muito importante, ações mais que palavras.
Estes resultados empíricos estão de acordo com a neurologia, fisiologia, imagem e anatomia. O mecanismo cerebral TOM observado por Wolfgang Kohler no início e comprovado no fim do século passado por David Premack, permite que primatas intuam o que se passa na mente de colegas com quem estejam interagindo, até mesmo de espécie diferente. Localizado em regiões mediais frontais e parietais dos hemisférios cerebrais, é obviamente independente de raça ou sexo, congênito, genético, pode ser treinado, e deixa para trás muitas teorias anteriores de desenvolvimento moral.
O resumo é: se seu modelo não é de generosidade, dar sermão sobre ele não adianta, e no longo prazo só piora. As pessoas acreditam que o caráter causa a ação, mas para formar filhos com caráter, precisamos lembrar que ação das próprias crianças forma seu caráter, tanto quanto nossas próprias ações, ou ainda mais.
Dr. Paulo Bittencourt
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