Retardo mental, paralisia cerebral e síndrome de Down

Os 3 termos estão colocados em ordem de especificidade. Retardo mental é inespecífico, abrange tipos diferentes de doenças e síndromes. Paralisia cerebral é mais específico, envolve pessoas com dificuldade motora causada por dano cerebral associado com gravidez. Síndrome de Down é uma doença única, de causa genética, com mecanismos, sintomas e consequências bem conhecidos.

Retardo mental é atraso do desenvolvimento da inteligência; abrange pessoas com deficiência intelectual primária, que não conseguem acompanhar o ritmo normal de desenvolvimento da inteligência devido a um problema mental. Sua dificuldade não pode ser unicamente devida a cegueira, surdez ou mutismo, a uma paraplegia ou a um problema psiquiátrico. Este conceito é importante, porque estas outras causas de dificuldade intelectual podem ser tratadas com medidas especiais, sejam método Braille para os cegos, linguagem de sinais para surdos e mudos, cadeira de rodas para paraplégicos, tratamento psiquiátrico para os psicóticos, e assim por diante.

Paralisia cerebral e síndrome de Down são causas de retardo mental. Existem outras: as epilepsias da infância, desnutrições, malformações cerebrais, hidrocefalias, e muitas outras. O grau de retardo mental varia de mínimo a muito grave, dependendo da quantidade de tecido cerebral lesado, da sua localização e das lesões associadas. Muitos bebês tem várias combinações de sequelas visuais, auditivas e motoras.

Paralisia cerebral vem a ser o distúrbio dos movimentos de alguma parte do corpo, com origem no cérebro. As crianças podem ter diplegias, com as duas pernas espásticas, hemiplegias, com os membros de um lado afetados, ou tetraplegias, com os 4 membros prejudicados. Podem ser espásticas, que significa uma rigidez dos membros, ou ter movimentos involuntários dos membros ou do corpo, as chamadas distonias. O termo paralisia cerebral é aplicado a um grupo heterogêneo de pacientes na primeira infância, e usualmente se pensa que as causas são dano cerebral por problemas de parto. Na verdade estes pacientes tem uma variedade de lesões cerebrais, e só a minoria tem lesões associadas com falta de oxigenação do cérebro no parto. Algumas lesões são decorrentes de problemas de prematuridade, como hemorragias no cérebro. Outras de lesões obtidas no período pós-parto. Ainda outras lesões são adquiridas durante a gravidez, como infecções que a mãe adquire, por exemplo rubéola. Ou problemas de irrigação sanguínea do cérebro.

O Dr. John Langwood Down era o superintendente do Asilo para Idiotas de Earlswood, no interior da Inglaterra, quando descreveu uma classificação étnica para o “idiotismo congênito” em 1866. Este seu conceito já era politicamente incorreto na época. Ele dividiu os “idiotas congênitos” em caucasianos, milasianos, etíopes, americanos-nativos e mongóis. Embora nunca tenha sido aceita a classificação serviu para separar “mongolismo” de “cretinismo”, na época muito frequente, causado por uma deficiência da tireóide. Em 1876 foram publicadas descrições detalhadas dos rostos, pés, crânios, e a descrição patológica do cérebro das pessoas com “idiotismo mongol”. Até 1960 “mongolismo” foi amplamente usado. Em 1961, após a descoberta da causa genética e com grandes reclamações de investigadores chineses e japoneses, foi proposto que trissomia 21 ou síndrome de Down substituíssem a denominação anacrônica e científicamente errada de “mongolismo”.

Síndrome é o conjunto de sintomas e sinais que caracterizam uma ou mais doenças. Febre, dores pelo corpo e coriza são uma síndrome gripal, que pode ser causada por doenças diferentes, inclusive vários vírus e até rinite. Já influenza é uma doença específica, causada pelo vírus do mesmo nome, que pode causar uma síndrome gripal. Síndrome de Down descreve todos os pacientes com o conjunto típico de sinais e sintomas. Trissomia 21 é quase sinônimo de síndrome de Down: é a descrição exata da anormalidade genética que causa a síndrome de Down em 95% dos casos. O que deveria ser um par de cromossomos acaba sendo 3. Nos outros 5% ocorrem outras anormalidades do mesmo par de cromossomos. O problema vem da mãe em 95% dos casos.

Os portadores da trissomia 21 e anormalidades genéticas associadas tem um conjunto variável de malformações de vários órgãos. Face achatada, flacidez muscular, hiperextensão das articulações, pálpebras em fenda, malformações típicas de orelhas e do quinto dedo da mão, defeitos cardíacos e gastrointestinais, cataratas congênitas e hipotireoidismo, podem ser observados logo ao nascimento. No primeiro ano de vida podem aparecer leucemias, vários defeitos oculares, infecções respiratórias, o cérebro e cerebelo vão se formando de maneira anormal, causando desenvolvimento motor e intelectual lento. Até a adolescência podem aparecer mais problemas de tireóide, auditivos, apnéa do sono com roncos, e problemas nas articulações da coluna. Problemas imunológicos são frequentes, com infecções principalmente dos ouvidos. O cérebro é pequeno, com menos neurônios, com conexões anormais. Uma em cada 4 crianças tem um problema psiquiátrico como autismo, hiperatividade e compulsões. Nos EUA ocorrre um caso de Down para cada 1000 nascimentos. A frequência aumenta com a idade da mãe, principalmente após os 32 anos de idade. Existem exames que detectam o problema no fim do primeiro trimestre da gravidez.

Uma parte das crianças de Down chega à adolescência com boa qualidade de vida. Eu sempre troco de roupa no vestiário do clube com um rapaz que faz tudo sózinho, desacompanhado. Os que tem mais sorte genética e ambiental são bons de índole, ingênuos e agradáveis. Com a moderna integração dos seres humanos especiais, adquirem independência, entram em escolas, disputam competições esportivas, viajam e fazem convenções internacionais.

Texto escrito nos anos 1990, revisto mas deixado inalterado em abril de 2012

Dr. Paulo Rogério M de Bittencourt,