Anticolinérgicos são remédios que podem ser a causa da loucura

autismo ou transtornos do espectro autista

Quase ninguém sabe o que são anticolinérgicos. Será falta de cultura de saúde? É normal uma consulta médica durar cerca de quinze minutos. Pagamentos irrisórios por parte de planos de saúde levam médicos e instituições a lotar agendas e diminuir o tempo de atendimento. Mesmo assim consultórios e clínicas fecham; sobrevivem as instituições que vivem de exames e procedimentos, não de consultas. Isso causa problemas que, de primeira, podem não parecer graves, mas que, a longo prazo, podem causar danos à saúde das pessoas e à administração da saúde pública.

Um desses problemas é a administração de remédios anticolinérgicos em alta dosagem, ou de vários remédios dessa categoria por diversos profissionais de diversas especialidades para pessoas idosas ou com problemas crônicos. É difícil enumerar remédios que possuem efeito anticolinérgico. De uso muito comum são os antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina e a imipramina; a trazodona (Donaren); antipsicóticos como Haldol, Neuleptil, clorpromazina, remédios gástricos como o omeprazol e ranitidina; anti-histamínicos como loratadina e Fenergan, analgésicos opióides e Buscopan. A lista é muito grande. Desde pomadas dermatológicas a colírios, de remédios utilizados para o tratamento de parkinsonismo a cólicas intestinais: para quase tudo existe um remédio que possui ação anticolinérgica.

Esta ação anticolinérgica é um efeito farmacológico do medicamento no sistema nervoso que usa um neurotransmissor chamado acetil-colina. O medicamento anticolinérgico bloqueia a ação da desta substância que atua na comunicação entre as células nervosas. Porém, essa ação traz muitos problemas, principalmente em pessoas idosas, que tem menos receptores para a acetilcolina.

Desta forma surge uma toxicidade a partir do uso desses medicamentos, um excesso de medicamento para os receptores existentes. Enquanto um jovem pode tolerar uma certa dose  de um medicamento desse tipo, um idoso não irá ter a mesma tolerância. Agora imagine uma situação em que um idoso vá a um psiquiatra, ou a um neurologista, e esse lhe receite um Donaren. Aí, ele passa num oftalmologista e ele lhe prescreve um colírio a base de beladona. Ai ele vai num gastroenterologista e este lhe indica um omeprazol. Então ele tem uma alergia e toma uma loratadina por conta própria. tem cólica e resolve tomar um Buscopan para completar. Imagine a carga de anticolinérgicos que esse idoso está tomando…

Certamente que isso causará um problema. O que se inicia é uma crise tóxica por excesso de medicamentos com efeito anticolinérgicos. O idoso começa a ter boca seca, sudorese, taquicardia, vermelhidão, mas continua tomando os medicamentos. Logo ele está alucinando, vendo coisas que não existem e é levado para uma emergência. Em geral enxergam bichos ou pessoas, às vezes insetos, com extrema clareza, parecem realmente vivos. Tão vivos que fica incongruente, as pessoas em volta não acreditam, os pacientes mentalmente sãos também. Os confusos pioram muito da confusão mental. O mais típico é verem moscas ou baratas na parede do hospital, pois em pacientes hospitalizados, atendidos por várias equipes e plantões, o problema é ainda mais comum. É muito comum que tenham distensão abdominal com parada intestinal, que pode chegar ao temido íleo paralítico, quase sempre medicamentoso. Também é muito frequente distensão da bexiga urinária, e até mesmo retenção com globo vesical, em homens prostáticos.

Se não é um doutor que tenha a visão de perguntar os medicamentos que o paciente toma antes de prescrever outros, a balança perde o equilíbrio vertiginosamente. O paciente pode até mesmo, pelo uso desses medicamentos, ser levado a demência. Demência medicamentosa é muito comum. Para muitos médicos, mexer na prescrição de outros pode ser anti-ético, mas certamente antes vem o bem-estar do paciente!

Um estudo publicado no décimo nono volume da  Neurology realizado por Coupland et al mostra a ligação entre o uso desses medicamentos e o risco de demência e os resultados são bastante alarmantes. Não é que a descoberta seja totalmente nova, mas certos tipos de anticolinérgicos (antidepressivos e antipsicóticos, por exemplo) podem levar esse risco a quase dobrar.

Portanto, é necessário sempre avaliar com seu médico quais os riscos dessas medicações serem prescritas. Mesmo que o médico possa avaliar o risco, sempre é bom interrogar o uso de múltiplos medicamentos. Muitas vezes remédios podem ser substituídos por outros com efeitos semelhantes e isso é uma consideração a ser feita pelo médico e pelo paciente, em conjunto.

Bruna Correa Antochevis Machado

Referências: Coupland CAC, Hill T, Denning T, et al. Anticholinergic drug exposure and the risk of dementia: A nested case-control study. JAMA Intern med 2019; Epub 2019 Jun 24