O termo paralisia cerebral é ligado a William Osler, que o estabeleceu quando trabalhava em Philadelphia em 1889. Osler baseou-se em parte em um livro do inglês William Little, publicado em 1862. Sigmund Freud contribuiu muito para o termo se tornar coloquial quando passou a utilizar “Cerebrallahmug” em 1897. O detalhe é que Freud achava que o dano cerebral havia ocorrido durante a gravidez, enquanto Osler e Little achavam que era no período do parto. Durante a gravidez algum dano cerebral pode ser resultado de problemas não só da gravidez em si, como da placenta, mas pode também ter origem genética, medicamentosa, uma gama de causas muito mais ampla. Complicações do parto, ou peri-parto, como dizemos no Brasil, são quase sempre vasculares, ligadas a falta de circulação, ou isquemia.
Porém existem causas menos frequentes e menos conhecidas, diagnosticadas desde o advento da ressonância magnética, como leucomalácia periventricular, lissencefalia, deleções cromossômicas. Também são mais reconhecidas as co-morbidades, como autismo, epilepsia e deficits cognitivos.
Embora cruel e controverso o termo se estabeleceu no século 20. A definição da OMS é que paralisia cerebral seja um grupo de desordens permanentes de movimentos e postura, que causa limitação de atividades, devido a distúrbios não progressivos que ocorreram no cérebro em desenvolvimento. O problema motor é frequentemente acompanhado de distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação, comportamento, epilepsia e problemas músculo-esqueléticos secundários.
Porém, “paralisia cerebral” se refere a um grupo hetereogêneo de pessoas com múltiplas causas, formas de apresentação clínica e prognóstico, com tratamentos e desenvolvimentos muito diferentes entre si. Algumas destas pessoas se graduam em universidades, trabalham, casam, tem filhos. Outras nem rolam, se alimentam ou cuidam de qualquer das suas necessidades. Umas tem expectativa de vida normal, outros morrem cedo pelas múltiplas hospitalizações e co-morbidades.
O atendimento destes pacientes é multidisciplinar, e envolve neurologista, especialista em desenvolvimento, pediatra de reabilitação e generalista, além de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, em combinações que variam de um local para outro. O importante talvez seja a presença precoce do diagnóstico mais completo que é oferecido por neurologistas infantis, que promove uma grande mudança na qualidade de vida destas crianças.
Assim como autismo mudou para “desordens do espectro do autismo”, mudar para “espectro da paralisia cerebral” pode levar a um maior desenvolvimento psicossocial e científico neste campo. Esforços em vários níveis podem melhorar a situação médica, de reabilitação, educação, vocacional, recreacional e comunitária destas pessoas.
Michael Shevell. Neurology 2019, 92:233-235
Aravamuthan, BR, et al. Neuroology 2020, 95:962-972
Dr Paulo Bittencourt