Maria Sabina nasceu próximo a Huautla de Jimenez na Sierra Mazateca no fim do século 19. Embora a pouco mais de 200 km de Oaxaca, a viagem é de mais de 4h pela autoestrada nacional através da cordilheira. Ela achava que tinha nascido em 1894, e morreu em 1985, filha dos camponeses María Concepcion e Crisanto Feliciano, o pai falecido quando tinha 3 anos; cresceu com os avós maternos; o avô e bisavô tinham sido xamãs.
A habilidade herdada era comunicação com Deus utilizando cogumelos que ela chamava de “minhas crianças”, para tratamento. Maria Sabina foi a primeira curandera a permitir que estrangeiros participassem das “veladas”, o ritual de vigília que seguia a ingestão do cogumelo como um sacramento para abrir os portões da mente. A velada é uma purificação e comunhão com o sagrado. A tradição Mazatec inclui o cultivo de “entheogens”, substâncias psicoativas para uso ritual. São algumas plantas e fungos discutidos em mais detalhe no meu livro Fora da Casinha (2ª edição).
Em 1955 um americano participou de uma velada, a Life publicou um artigo, esporos do cogumelo foram cultivados em Paris e levados para o químico Albert Hoffman na Suíça, o mesmo que então descobria o LSD, e logo foi isolado o princípio ativo, chamado Psilocybe mexicana. A Sandoz chegou a vender Indocybin, e alguns comprimidos foram levados a Maria Sabina, que achou tudo muito curioso. Tudo em 3 anos. Em 1962 hippies começaram a participar de veladas com Maria Sabina, inclusive, corre a lenda, Bob Dylan, John Lennon, Mick Jagger e Keith Richards. Em 1967 70 pessoas alugavam casinhas em vilas próximas. Eu mesmo talvez tenha participado de uma velada em cima do Monte Alban, em Oaxaca, em 1973. Foi sem querer. Na época, eu não sabia nada desta história, tinha 19 anos! Talvez tenha passado na casa de Maria Sabina e nem fiquei sabendo.
O americano original, Robert Wasson, tornou-se amigo de Maria Sabina, mas a falta de respeito dos estrangeiros pelos rituais a levou a observar que
“Antes de Wasson, ninguém tomavas as crianças simplesmente para achar Deus. Eles sempre eram tomados para curar os doentes.”
A enorme atenção mudou a dinâmica da comunidade Mazatec e fez Maria Sabina se arrepender de ter deixado aberto seu ritual. Masson escreveu muitas vezes que só quis contribuir para o progresso da humanidade, mas María Sabina se tornou amarga sobre seus problemas e como os outros lucraram com seu nome, e como a velada perdeu seu aspecto sagrado e ficou irremediavelmente poluída pelo uso hedonístico dos cogumelos.
“Do momento que os estrangeiros chegaram, as crianças sagradas perderam sua pureza. Dali em diante, não mais funcionam, não há remédio.”
Álvaro Estrada, um mazatec, traduziu os cantos que Maria Sabina entoava em sua velada para o espanhol. Seu cunhado americano traduziu para o inglês, de onde vem minha tradução para o português. Segundo o cunhado Henry Munn, Maria Sabina usava brilhantemente temas comuns a tradições mesoamericanas e Mazatec, mas também tinha um talento único, era uma poeta oral dona de uma técnica literária e carisma pessoal e profissional claramente desenvolvidos através um trabalho artesanal de longo prazo. O canto vem em um transe xamânico no qual, ela conta, suas “crianças santas” falam através dela:
Porque eu posso nadar no imenso
Porque eu posso nadar em todas as formas
Porque eu sou a mulher lançada
Porque eu sou o Gambá Sagrado
Porque eu sou o Senhor Gambá
Eu sou a mulher
Livro que está abaixo da água, diz
Eu sou a mulher da cidade populosa, diz
Eu sou a pastora que está embaixo da água, diz
Eu sou a pastora do imenso, diz
Eu sou a pastora e venho com o meu pastor, diz
Porque tudo tem a sua origem
E eu venho indo de lugar para lugar da origem
Maria Sabina é uma figura sagrada em Huautla, e sua imagem é utilizada comercialmente como em vários santuários através do mundo. A contracultura mexicana reverencia Maria Sabina. Ela mesma morreu pobre. Seus pacientes lhe davam o que queriam pelos seus serviços, e os estrangeiros nunca lhe deram nada por suas invenções, nem por gravar seus cantos. Talvez em parte devido ao que ocorreu com Maria Sabina, forças em torno do Dalai Lama formaram o International Council of 13 Indigenous Grandmothers, que se reúnem regularmente, no qual estão uma Mazatec e outra Maia.
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Tradução e adaptação Dr Paulo Bittencourt