Hidrocefalia e demência com dificuldade de marcha e incontinência

Hidrrocefalia dos idosos

Ninguém pensa em hidrocefalia quando uma pessoa com idade avançada começa a perder função motora, intelectual ou algum controle urinário. Na mente popular hidrocefalia é um problema de crianças que ficam com a cabeça grande, cheia de água. Neurologistas clínicos, por outro lado, estão alertas para esta possibilidade há décadas. Uma demência tratável é um presente dos céus. Hoje se sabe que 0,5% das pessoas acima de 65 anos de idade pode ter hidrocefalia de pressão normal, por vezes conhecida como síndrome de Hakim. Muitos idosos confusos, com incontinência e dificuldade de marcha estão por aí, sem diagnóstico.
A síndrome foi descrita por um neurocirurgião colombiano nos anos 1960. Salomon Hakim Dow inclusive inventou uma válvula apropriada, pois, como o nome diz, esta é uma hidrocefalia que se comporta de maneira diferente. Na verdade, adquiriu o nome de “pressão normal” por que não existem sinais de aumento grave da pressão intracraniana: cefaleia, náusea, vômito, edema de papilas ópticas no fundo de olho. Mas já foram estudadas as pressões e estão aumentadas nestes pacientes, na faixa de 150-200mm H2O.
https://en.wikipedia.org/wiki/Normal_pressure_hydrocephalus
O resultado é um quadro clínico que vai e vem, oscila em gravidade, lentamente piorando com o tempo, mas nunca chega a uma gravidade dramática, com perigo de vida. A pessoa vai indo, com a tríade de confusão mental, incontinência urinária e dificuldade de marcha, com falta de equilíbrio. Muitos tem parkinsonismo, ficam arcados, tem a marcha típica de pequenos passos. A demência não é como em Alzheimer, com perda grave de memória. O paciente perde funções intelectuais e fica confuso, com uma espécie de descompensação emocional, um quadro mais para mental, psiquiátrico.
O acúmulo de líquor nos ventrículos pode ser devido a uma falha na reabsorção pelas vilosidades sub-aracnoides, pois a produção pelos plexos coroides não tem como aumentar. O mais aceito é que as pessoas danificam este sistema durante a vida, talvez com pequenos traumas, inflamações e hemorragias, pois uma síndrome muito semelhante ocorre após hemorragia sub-aracnoide. Várias neurocirurgias têm hidrocefalia como consequência.
A confirmação do diagnóstico é por melhora da sintomatologia através da retirada de liquor por punções lombares, chamado de tap test, teste da torneira. Todos sabem que este é um procedimento que pode ser chatinho de fazer, um pouco doloroso, por que nesta idade muitas pessoas tem a coluna meio danificada e a punção pode ser difícil. Porém, depois da primeira, fica estabelecido o local exato, é mais fácil. Além disso, as punções lombares são livres de complicações dignas de nota. O tratamento definitivo é através da colocação de uma válvula que liga os ventrículos à cavidade abdominal, chamada derivação ventrículo-peritoneal, tratamento clássico de hidrocefalia. Porém as válvulas têm várias complicações, algumas delas muito graves, em especial nesta faixa de idade, onde o cérebro é frágil. Não conheço estatísticas do Brasil , mas na minha própria experiência em torno de 15% dos pacientes tem complicações muito graves logo no início, na colocação da válvula, e outros 20% ao ano tem complicações menos graves, que indica manipulação da válvula em ambiente hospitalar.
A outra dificuldade do tratamento de hidrocefalia de pressão normal é que as pessoas melhoram da confusão mental, da dificuldade de marcha e da incontinência, porém nem em todos ocorre um milagre. Precisa ser lembrado que estas pessoas são idosas, e retornam a uma linha de base que já era deles.
Dr. Paulo Bittencourt